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quinta-feira, 25 de março de 2010

Liberdade, liberdade!



Na minha infância, resolvi aprisionar, numa gaiola nada vistosa, um pássaro que, na natureza exótica, trinava no arrebentar explosivo de cores, de cada manhã morna, de um tímido inverno nordestino qualquer, da década de setenta.
O homem é egoísta e, portanto, confina, no seu particular patrimônio, os animais que deveriam ser de admiração coletiva. Parece-me, não sei se há fundamentação científica, que o homem saboreia glória quando pode manipular em cativeiro, privando de necessidades essenciais, o seu semelhante ou animais silvestres.
Pois bem, para que os gatos não estraçalhassem a gaiola e, portanto, saboreassem folgadamente o animalzinho indefeso, eu a colocava, apoiada num prego, num ponto bem alto de uma parede que, paralelamente com outra, formava um corredorzinho, apertado e de mau gosto, na entrada da casinha módica onde morávamos.
Certa vez, no descompromisso peculiar de criança, esqueci, em função de não ficar vendo a gaiola constantemente por causa da altura, de colocar alpiste (pequenos grãos da cor de ouro sujo) para o pássaro e, portanto, quando, distraidamente, olhei para cima, avistei-o todo arrepiado e, com dificuldades, equilibrava-se sobre as perninhas frágeis. Às pressas e cheio de remorsos, coloquei os grãos no reservatoriozinho da gaiola, enchi a boca de água e a pulverizei sobre o pássaro, levei-o para o quintal e deixei-o a tomar banho de sol. Depois de algumas horas, lá estava ele trinando alegremente na gaiola, comemorando ou agradecendo o alpiste (phalaris canariensis) que eu colocara pra ele. Naquele momento, fiquei extremamente comovido e, de coração, prometi, pra mim mesmo, que jamais o deixaria com fome.
Poucos dias depois, apoiado na célere memória de criança, esqueci, novamente, de colocar água limpa e grãos para o coitado. Repeti todo o processo anterior de recuperação do pássaro e, em seguida, fiz as mesmas promessas anteriores de jamais o deixar naquela situação de penúria.
Pela terceira vez consecutiva, fui traído pela memória e, portanto, deixei o pobre pássaro naquele cárcere sem alimentação. Ele demonstrava-se muito debilitado e, com esforço extremo, encostava-se, penosamente, nas talas da gaiola. Não resisti aquela situação, então, depois de alimentá-lo e deixá-lo num banho de sol recuperador, resolvi soltá-lo. Chorando, numa profusão de remorso, dó e sentimento de perda, abri a portinhola da gaiola e deixei-o tomar a decisão de ganhar a liberdade. Esperei várias horas, mas nada, ele não saia do cárcere. Acho que estava condicionado ao cerceamento da liberdade e, mesmo morrendo por inanição, não queria sair daquele mundo limitado e cruel.
Resolvi, então, tirá-lo da gaiola, mas repetidas vezes, voltava e, sobre a sua “casa” há vários meses, pousava, pois a portinhola eu deixara fechada. A “minha” ave de “estimação” se negava a ganhar o mundo. Tinha medo da liberdade, pois não sabia mais usufruí-la. E eu, a cada instante que passava, me sentia contraindo vergonhosamente para dentro do meu âmago estúpido. Naquele momento, tornei-me um buraco negro consumidor de emoções que, fantamasgoricamente, me acompanham até hoje e, portanto, agridem, de chofre, a minha estabilidade racional.
Levei o pássaro para o quintal e, então, coloquei-o sobre uma árvore. Pareceu-me completamente abandonado e, com o coraçãozinho aos pulos, não sabia para onde ir. Sai caminhando de costas e não tive como conter as lágrimas. Não tinha certeza se ele sobreviveria naturalmente. Torcendo para que ele voasse, fechei, lentamente, a porta do quintal.

2 comentários:

Chico Mário Feitosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Chico Mário Feitosa disse...

Cara, isso aconteceu comigo tb... Eu criava uma Rolinha-branca (Columbina picui) desde novinha... ela cresceu sozinha naquele mundo, enclausurada e, depois de muito refletir decidi soltá-la. Mas... quem disse que ela ia embora? Tempos depois ela sumiu e ingenuamente torcia pra que ela tomasse o rumo da natureza. Desde então, tomei gosto por apreciar bichos ao natural.

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