sala VIP

quinta-feira, 27 de maio de 2010

vida de professor


A “I Parada da Diversidade Sexual de Floriano” ocorreu praticamente paralela com a minha separação de uma união estável que durou dez anos. Eu estava em casa pensando numa filosofia de vida que me fizesse tomar novas diretrizes para o futuro. Naquele momento, o telefone tocou e, como se estivesse me confessando o segredo mais importante da história da humanidade, um colega confidenciou-me:
- Professor, rapaz, o Jair Feitosa estava na “Parada Gay”!
De relance, veio-me logo à mente a caricatura simbólica de um Jair vestido numa saiazinha de tiras multicolores, blusinha mostrando a barriga em forma de bola, uma peruca loira na cabeça, a face cheia de brilho realçando com um batom escandalosamente vermelho nos lábios, girando na ponta dos dedos dos pés como uma bailarina tresloucada e fazendo caras e bocas com os beiços espichados a lançar beijinhos para os homens e a revirar os olhos como se fosse desmaiar em plena avenida. Espantei-me da minha viagem não-lógica cognitiva e, alto, perguntei num tom de descrédito:
- Como? O Jair é pink?
- Não, rapaz, ele estava só olhando!
Pensei: ”Por que, então, tanta admiração: se ele viu o Jair foi por que estava lá também. Então, afinal, quem não se garantia era ele ou o Jair?”. Não dei mais importância ao assunto.
Alguns dias depois, encontrei Jair na sala dos professores do Instituto Federal do Piauí, campus Floriano, e resolvi, como de praxe, fazer uma brincadeira:
- Pois é, Jair, ouvi dizer que você estava na “Parada Gay” rebolando pra cacete!
Ele, como se já estivesse com a resposta pronta, disse:
- Eu estava lá, mas era com a minha esposa! Agora você, que fez foi se separar da sua, não vai demorar muito para empunhar uma bandeira arco-íris! Não se preocupe: a sua “fantasia” eu patrocino.
Fiquei só com um sorriso desbotado na cara.

frase de placa


"O homem é mortal por seus temores e imortal por seus
desejos"
Pitágoras

desejo de torturar criança e mulher


Na Idade Antiga, aproximadamente entre 1700-1280 a.C., os egípcios, sob forma de custódia, mantinham escravos. Outros povos, também, como gregos e persas, torturavam as pessoas que, segundo os entendimentos morais de cada civilização, cometiam delitos e/ou crimes.
Torturar o semelhante parece-me ser intrínseco do homem, pois, ao longo da história da humanidade foi uma prática constante.
No Brasil, em plena ditadura militar, poucos sonhavam em um dia existir o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) e a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei 13.340 de 7 de agosto de 2006) – Lei Maria da Penha e, portanto, qualquer casa de um macho malogrado poderia ser transformada numa célula familiar de terror e ninguém denunciava nada. Não “via” nada. Apenas, de quando em vez, ouvia-se uma piadinha de mau gosto sobre a gritaria de mulheres e crianças quando estavam sendo brutalmente espancadas. Na época, no Piauí, ouvi, durante muitos anos, frases como: “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, “Aquele menino está apanhando porque não quer comer carne”. Na minha ingênua inocência de criança, achava que era verdade. No entanto, isso era um álibi para que todo macho e não homem pudesse agir da mesma maneira. A própria “sociedade dos machos” mascarava e camuflava os espancamentos de mulheres e crianças.
O adulto espancado pensa em vingança, pois nunca ou dificilmente admite que errou. Mesmo assumindo o erro, não perdoa o castigo. Para o adulto, uma criança espancada aceitará tudo passivamente e, portanto, trilhará os caminhos que ele está indicando. No entanto, quem vai garantir que tal adulto tem formação ética, moral e cidadã para apontar o que é certo ou errado? Independente de ser um espancador ou não.
A criança pode estar certa e o malfadado adulto errado, no entanto, quem tem o poder de determinar, naquele momento, o que é certo ou errado é o adulto. Não existe, na maioria absoluta das vezes, o diálogo e, portanto, a criança não tem direito de defesa. O espancador impõe a força sem, no entanto, avaliar a situação, mas somente julgando emocionalmente e, imediatamente, penalizando.
Julgar e penalizar crianças e mulheres, essa é alei do espancador, do macho e não do homem
.

terça-feira, 18 de maio de 2010

vida de professor



A Avenida Stanley Fortes Batista, a mais charmosa de Zé Doca (MA), é margeada pelo comércio formal e informal. Em frente ao mercado público municipal, no passeio livre da avenida, foram montadas várias barracas de vendedores autônomos, conhecidos popularmente como camelôs, que concentram, principalmente, a venda de confecções em geral: peças íntimas para mulheres e homens, calças, camisas, blusas, vestidos, etc.
Tranquilamente, eu caminhava sobre o calçadão da avenida quando, de chofre, uma senhora interpelou-me:
- Sô, compre uma calcinha!
Meio assustado, parei e fiquei pensando: “Além dessa cara de pobre que carrego, será que estou com trejeitos de ‘boneca’?” Para a vendedora, falei:
- Eu não uso calcinha.
- É pra sua mulher!
Novamente, eu a contrariei:
- Não tenho mulher.
Nervosa, ela insistiu:
- Moço, deixe de frescura, compre a calcinha e dê seja pra quem diabo for.
Sem levantar o tom de voz e tentando manter-me sério, interroguei-a:
- A senhora me oferece uma calcinha e eu é quem estou com frescura?
Não se fez de rogada e disse:
- Então, moço, compre a calcinha e guarde para você lembrar que existe mulher.
Duas mulheres que estavam comprando umas peças na barraca já estavam vermelhas de tanto sorrir. Baixei a cabeça e saí pensando: “Do jeito que estou isolado em Zé Doca, essa senhora deve estar com toda a razão”.

frase de placa


"Seguir um objetivo sem parar, esse é o segredo do sucesso"
Ana Pavlova

É preciso saber viver


No período em que eu estudava Engenharia Mecânica em João Pessoa (PB), alguns ônibus coletivos urbanos, com o objetivo de aumentar o espaço interno para acomodar mais pessoas em pé, tinham poltronas colocadas perpendicularmente às fileiras convencionais, de tal forma que o passageiro ficava na mesma direção que se posicionava o cobrador e, portanto, tinha uma visão holística privilegiada do interior do veículo.
Numa certa madrugada, tomei, praticamente vazio, um determinado ônibus e, automaticamente, sentei-me numa das poltronas não convencionais. Eu estava distraído, no entanto, quando levantei o olhar, vi um rapaz, cuidadosamente, subtraindo uma bolsa de uma senhora que estava ligeiramente sentada na frente dele. Olhei para o cobrador, mas ele estava curvado para frente e cochilava preguiçosamente sobre a gaveta do dinheiro. No momento, por um ímpeto natural, tive vontade de gritar e, portanto, alertar aos poucos passageiros sobre o que estava ocorrendo, no entanto, o batedor de carteira, observando a minha inquietação, continuou “trabalhando” com uma das mãos e, com a outra, colocou o dedo em riste perpendicular aos lábios, fazendo o gesto de “calado”, “silêncio”, “bico fechado”, etc. Baixei a cabeça e fiquei a contemplar, nervosamente, o assoalho do carro. Quando desci na minha parada não vi mais o assaltante nem a mulher.
Mais ou menos seis meses se passaram. Fui a uma festa de Yemanjá, a rainha do mar, na Avenida Beira Rio, em João Pessoa. De chofre, encontrei-me dentro de uma muralha humana formada por um grupo de jovens de aparências nada amistosas. Um deles, com os dedos em forma de arma, tocou-me o peito e, com uma voz toda peculiar da malandragem, disse-me:
- Negão, tu sabe viver!
Não entendi nada. Como ele percebeu que eu estava completamente embaraçado, deu-me uma crucial dica:
- Lembra-se do ônibus? E da carteira da mulher?
De imediato, anestesiado pela surpresa, fiquei todo trêmulo e minha alma se contraiu dentro do corpo de tal forma que quase me estatelei no chão de tanta fraqueza que eu sentia. Fiquei apalermado olhando pro cara e sem ânimo para pronunciar uma palavra se quer.
Ele disse:
- Continue assim que você vai longe. Não se meta onde não te cabe!
O grupo se afastou e eu tentei marcar passos, mas as pernas cambalearam sem firmeza e, portanto, arriei-me sobre a areia. Contemplando o embalo periódico do mar, pensei: “Um assaltante me dando a vida como lição e, portanto, uma lição de vida”.
Embora distorcida, mas era uma lição.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

vida de professor



Quando cheguei na UESPI – Universidade Estadual do Piauí, campus Floriano, para ministrar uma aula de Matemática Comercial e Financeira, o professor de Contabilidade ainda não saíra da sala, portanto sentei-me num banco que ficava no corredor.
Dentro da universidade, havia um grupo de trabalhadores fazendo reparos numas infiltrações do prédio. Infiltrações que, até hoje, nunca foram corrigidas e, inclusive, já danificaram várias placas de formaturas.
Quando eu menos esperava, o mestre-de-obras, cheio de autoridade e arrogância, pára na minha frente e determina:
- Vigia, pegue a chave da sala tal. Ligeiro!
Inexpressivamente, fiquei olhando aquele homenzarrão suando à tampa de panela e, apontando com o dedo, falei:
- Sou o vigia noturno, o diurno é aquele acolá.
O mestre-de-obras, completamente colérico e mais esticado do que calcinha de mulher grávida, saiu esbravejando:
- Não custava nada, cacete, você ir pegar a merda da chave. Preguiça desgraçada, moço!
Continuei sentado, braços cruzados, mão esquerda no queixo e as pernas balançando.

frase de placa


"A vida, para os desconfiados e os temerosos, não é vida, mas uma morte constante."
Juan Luis Vives

estágio de vida



Um galo rouco abriu a cortina policromática da manhã. O dever cotidiano empurrou-me da cama. Meio a contragosto, levantei-me. Os meninos fizeram teatrais cenas de abuso para não abandonarem os lençóis. Levantaram-se e, cambaleando e apoiando-se nas paredes, deslocaram-se para o banheiro. Desci os lances de escadas da casa e coloquei água numa vasilha para aquecer no fogo. Tudo se aparentava rotineiro. No entanto, algum tempo depois, minha ex-esposa, meio contrariada, declarou-me:
- O Jones disse que não quer ir pro colégio, pois quer ser capinador de rua!
Tristemente, fiz uma reflexão: “este menino, com apenas sete anos, já pensa em abandonar o colégio (...)”. Decidi:
- Tudo bem, pode deixá-lo. Hoje, ele não vai pro colégio.
Ela, confusa e cheia de dúvida, ficou a olhar-me incrédula, como se dissesse: “Agora, enlouqueceram os dois, pai e filho”. Como estava liberado do “calvário” colegial, o Jones ficou todo eufórico e serelepe.
No horário de iniciar as aulas no colégio, chamei-o e sentenciei:
- O seu estágio de capinador de rua vai começar agora. Pegue esta faca de mesa e vá cortar todo o capim da frente da casa.
Não se fez de difícil e, animado, começou, curvado para frente, a puxar e cortar o capim. Na região é conhecido como capim-de-burro e nasce abundantemente entre paralelepípedos das ruas. A raiz dele se deriva de tal forma que fica duro pra caramba de ser arrancado. Na frente da casa, era só areia e, portanto, ele limpou até com certa facilidade e desenvoltura. Eu, de longe, acompanhava o epílogo da história. Determinado momento, ouvi:
- Pai, quero tomar café!
Conferi o horário: 9:00 h. Tudo bem, suportou mais tempo do que eu estimara. Autorizei:
- Pode ir!
Fiz um suco com um corante vagabundo de uva e o servi paralelamente com uma fatia de cuscuz. Ele olhou pra mesa e, em seguida, ficou me olhando e, então, interrogou-me:
- Pai, cadê o leite, a margarina e o Nescau?
- Filho, capinador de rua não ganha dinheiro suficiente para comprar esses produtos. Isto aqui é o que ele pode comprar. Se você não quiser comer, retire-se da mesa.
Com certo gosto, comeu fartamente. Depois de alguns minutos, determinei:
- Agora, vá limpar o quintal!
Sem o sorriso inicial, ele saiu surpreso: ponderava que já tinha concluído a tarefa. O capim do quintal é duro pra burro. Ele ficou, naquele momento, agachado. Puxava o capim, tentava cortá-lo e, no entanto, a teimosa gramínea continuava entranhada nas pedras. O suor começou a pipocar no rosto dele. Levantava o bracinho e limpava a testa. Sentou-se no chão e começou a chorar baixinho. Eu, que escondido assistia a tudo, gritei do meu esconderijo:
- Já terminou?
A voz engasgada dizendo não saiu forçada. Formigas emergiram de um buraco qualquer. Rapidamente, soltou a faca e correu pulando e chorando a bater formigas que lhe picavam mãos e pés. Mamãe, que acompanhava a cena, também não resistiu e, meio chorosa, pediu que eu suspendesse o castigo. Falei que ele não estava de castigo, mas fazendo um estágio de vida. Chamei-o. Aproximou-se todo assustado, sujo e com manchas vermelhas nas mãos e nos pés. Pedi que ele fosse olhar uma casinha bem modesta, construída de pau-a-pique, que ficava no início de nossa rua. Depois de algum tempo, retornou. Pedi que sentasse frente-a-frente comigo e, logo, perguntei-lhe:
- O que você viu?
- Uma casinha caindo os pedaços.
- Você acha que as pessoas gostam de morar naquela casa? Elas vivem lá porque não tiveram oportunidade de estudar ou por que não quiseram estudar. E você, rapaz, que tem uma casa bonita, vai de carro para um colégio particular, têm roupas bonitas, alimentação, remédios, vídeo game e quarto particular, diz que não quer mais estudar! Você só tem tudo isso porque eu estudei e, portanto, posso pagar ou comprar para você.
Ficou ouvindo-me atenciosamente, baixou a cabeça e o suor escorreu face abaixo. Coçou a mão, os pés...
- E, então, o que você quer: estudar ou capinar a rua?
- Eu quero ser médico!
Desde aquele dia, eu trabalho com o intuito de formá-lo em medicina.
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