sala VIP

segunda-feira, 21 de março de 2011

vida de professor

Quando chegamos ao Bairro Catumbi, Floriano (PI), eram contados os casebres encravados nas entranhas daquela região geograficamente não agraciada por belezas naturais. Na época, era quase inóspita a vida naquela área, pois não havia ruas – apenas caminhos estreitos, nem energia elétrica e nem rede de abastecimento de água.

Nas minhas idéias amorfas de criança, tudo parecia eterno, principalmente eu e meus pais. Raramente se ouvia falar em morte de alguém. Quando uma pessoa morria, os parentes dela, em forma de respeito e sentimento, ficavam de luto por, no mínimo, seis meses: vestiam roupas pretas, não freqüentavam festas, não ouviam rádio, etc, etc. A família, nesse período, ficava mais coesa.

Pois bem, na semana passada, aos 81 (oitenta e um) anos, morreu um dos pioneiros moradores do nosso bairro. Deixou, legalmente reconhecidos, cinco filhos e oito filhas. Há poucos dias, em conversa familiar, ele declarou:

- Apenas um dos meus filhos homens prestou!

Os familiares se entreolharam e, pensativos, começaram a avaliar os nomes dos filhos: “Fulano, não é; Cicrano, não pode ser; Beltrano, muito pior (...)” Analisaram todos os nomes e, então, começaram a pressupor que o homem estava a caducar. Resolveram, logo, censurá-lo:

- Qual foi o que prestou, então?

Sem titubear e meio contrariado, respondeu:

- O que morreu ao nascer!!


sábado, 5 de março de 2011

Caserna verde: sonho e decepções - IV

Extenuados e ofegantes, guardamos nossos pertences nos armários. Bebemos, sob pressão do soldado que nos comandava, às pressas. Meu coração pulsava com tanta intensidade que eu podia ouvi-lo. Formamos, embaixo de insultos e vocábulos impublicáveis, um mini-pelotão. Marchamos desordenadamente e, logo, fomos inseridos num grande pelotão que já sabia, coordenadamente, executar a série de exercícios. Em cima de uma carroceria de um caminhão de guerra, um tenente ensinava-nos, contando sequencialmente, os movimentos físicos. Vigilantes, em torno do grande pelotão, ficavam vários soldados dedos-duros: indicavam para o tenente os recrutas que erravam os exercícios. Nós, coitados, recém-chegados, éramos os alvos. Seria impossível aprendermos em dez minutos a série que os outros já vinham praticando há uma semana. E o tenente, naquela pronúncia particular de quartel, começava:

- Frente pra direiTAAA; frente pra esquerDAAA; frente pra retaguarDAAA...

Confundíamos aquele linguajar oxítono e, portanto, éramos condenados a pagar prendas. A mais famosa era o “peruzinho”: de pé, curvávamos para frente até tocar o dedo indicador no chão e, então, ficávamos a girar em torno dele. Em pouco tempo, para o deleite geral da caserna, saíamos rodopiando descoordenadamente e, portanto, desnarigando ou, então, caindo de costas na pista quente e vendo o mundo por uma ótica afunilada e angustiante. Enquanto uma ânsia de vômito subia e, também, descia pela traquéia, o quartel gargalhava espalhafatosamente. Alguns colegas se feriam nas quedas; enquanto maior o sofrimento do “voador”, como nos chamavam, maior era a diversão geral. Enquanto mais nos torturavam, mais tensos ficávamos e, naturalmente, mais exercícios errávamos. Chega determinado estágio que tudo vira uma grande confusão mental e, então, a gente se lembra da família. O corpo trêmulo agia mecanicamente. A ressaca infernal e o sapato de couro ferindo os meus pés já não me incomodavam tanto quanto o sentimento de ser humilhado e ridicularizado diante de todos. Para mim, que não conhecia tamanhos constrangimentos, aquela não era a educação que eu precisava. Definitivamente, a educação militar me desiludia.
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