sala VIP

terça-feira, 22 de junho de 2010

vida de professor



Numa determinada noite de sexta-feira, saí para ministrar aulas no Instituto Federal do Piauí, campus Floriano, e, então, depois de ter concluído o trabalho, resolvi tomar uma “água batizada” no primeiro barzinho que encontrei.
Quando cheguei em casa já estava pra lá de Marrakech. Abri a geladeira e, em goles grotescos, bebi uma coca-cola. Cambaleante, fui pro quarto. Entorpecido pelo álcool, dormi.
No dia seguinte, afirmei para a minha ex-esposa;
- Aquela coca-cola que você deixou na geladeira estava vencida: desde a madrugada que estou com uma diarréia desgraçada!
Rapidamente, ela sentou-se na cama e, num tom de protesto, disse:
- Pelo amor de Deus, você bebeu minha garrafada! Ali era uma mistura de aguardente alemã, pílulas contra o estupor, jalapa... Essas garrafadas para regular mulher.
Passei a manhã toda com uma diarréia desalentadora e, de quebra, vomitando. Quando eu fechava as pernas, a boca abria e vice-versa.

frase de placa


"A felicidade consiste em preparar o futuro, pensando no presente e esquecendo o passado se foi triste".
John Ruskin

desejo de torturar criança III



No século XVI, foi introduzido no Brasil, pelos jesuítas, o castigo físico em crianças. Os índios, considerados não civilizados pela cultura portuguesa, abominavam a atitude de torturar crianças. No Brasil colonial, a palmatória foi introduzida para promoção de uma disciplinada educação.
A palmatória, um circulo de madeira com uma haste proeminente para apoio, era, no meu período de infância, um dos objetos de tortura. Geralmente, ela continha um furo bem no centro do circulo que, ao chocar-se com o pé ou a mão do torturado fazia bolhas: atuava à guisa de uma ventosa. As palmadas eram contabilizadas, de acordo com o julgamento do torturador, invariavelmente, em meia dúzia, uma dúzia, uma dúzia e meia, etc.
O torturador, geralmente o pai ou responsável, segurava nas pontas dos dedos da criança e, ameaçando quebrá-los se a mão fosse fechada, batia com uma força desproporcional aos ossos em formação. O sangue fervia. A criança, com os olhos esbugalhados acompanhando o movimento da palmatória, cuspia na mão castigada e esfregava-a no corpo. As palmadas eram alternadas, uma em cada mão. Cada palmada ardia como se estivesse pegando fogo no sangue. A mão, por um instante, adormecia e, com a palmada seguinte, parecia que estava se esfarelando. A criança, nas pontas dos pés, implorava humilhantemente pelo fim do castigo, mas, geralmente, havia uma tal de “surra casada” onde, entre cada palmada, havia uma pausa, cadenciada, para o torturado ouvir uma ladainha dos seus “erros”: “Lembra-se disso... Lembra-se daquilo”, et cetera e tal. E quando parecia que já estava tudo resolvido, ainda vinha um “Ah, estava me esquecendo...”. O torturado, não raro, urinava nas roupas.
A educação pela palmatória pedagógica eu não quero para o meu filho, pois isso não é, como muitos pensam e suspiram saudosistas, lembrar de um pretérito de respeito, onde um olhar dizia tudo, mas de sofrimento, perversidade, ignorância e terror.

sábado, 12 de junho de 2010

vida de professor


As avaliações dos estudantes da UESPI - Universidade Estadual do Piauí - estavam acumuladas e, portanto, passei o sábado e a manhã de domingo a corrigí-las. Como eu já estava extenuado, saí para desparecer e arejar a mente. Eu passava, completamente despojado (sandálias, camisa pólo e calção), na rua Elias Oka, em Floriano (PI), quando um senhor tradicional, saindo repentinamente de um pequeno portão, indagou-me:
- Quanto é que você quer pra colocar estes tijolos dentro deste muro?
Fiquei meio confuso, mas não perdi a calma e, então, interroguei-o:
- Quantos tijolos são?
- Cinco mil.
Mentalmente, fiz umas projeções numéricas e conclui:
- Quinhentos reais!
O senhor arregalou os olhos e, fazendo uma cara de incrédulo, falou irado:
- Quinhentos reais, cacete, foi o valor desta porcaria toda! Tu quer é tirar gosto com a minha cara? Tu sabe quem sou eu?
- Tanto quanto o senhor não sabe quem eu sou. Não lhe pedi trabalho. Não gosto de trabalho pesado.
Enquanto eu retomava o meu caminho, o senhor, num tom de provocação, arrematou indignado:
- Tu é coisa nenhuma, seu merda! Tu é um preguiçoso safado! Prefere roubar do que trabalhar!
Fiz-me de mudo.

frase de placa



"Assim que você confiar em si mesmo, você saberá como viver".
Goethe

Desejo de torturar criança II





A nostalgia de muitas pessoas do método punitivo da educação pretérita é, na minha projeção limítrofe de idéias, pueril. Hoje, de quando em quando, ainda ouço alguém dizer: “Na minha época, bastava um olhar de repreensão dos pais para os filhos murcharem”. Na verdade, as crianças andavam murchas, nervosas, inseguras e oprimidas o tempo todo, pois a maioria substantiva dos pais não ensinava, através de diálogos, o que eles consideravam moralmente certo ou errado. As crianças só aprendiam que tinham feito algo “errado” quando já estavam sendo castigadas. Era o “aprendizado” através da punição em detrimento ao diálogo educativo.

Os pais não ensinavam e, peremptoriamente, proibiam os filhos de ouvir as suas conversas: “Criança fala e brinca com criança” – ouvi várias vezes os adultos mastigarem esta frase. O que uma criança iria ensinar a outra?

Nessa época, a liberdade da criança ficava encolhida dentro de um ciclo perverso que, cotidianamente, girava em dois sentidos: horário e anti-horário – uma lavagem cerebral da anti-aprendizagem.Nada, pelos pais, era acrescentado ao desenvolvimento cognitivo do ser em formação. A criança vivia angustiada dentro de um turbilhão de interrogações sem respostas: os pais não explicavam e os coleguinhas fantasiavam soluções escabrosas.

O que os pais não esqueciam mesmo era de ameaçar silenciosamente as crianças, pois, como troféus valiosos, deixavam em exposição, na parede da sala, os objetos de tortura: cipó, palmatória, corda dobrada, cinto, tiras de sola, etc. Estes objetos eram carinhosamente preparados pelos pais e, em seguida, batizados com nomes curiosos: “acalentador de menino”, “professor”, “sossego”, etc. Os pais repreendiam, ostensivamente, olhando fixamente nos olhos da criança e, em seguida, de soslaio, para os objetos de tortura. Era a mensagem do medo: "Pare com isso ou aquilo entra em ação".

A criança vivia tensa dentro da própria cas em função de uma educação antagônica: aprender o "correto" através do castigo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

vida de professor



A Exposição Feira Agropecuária de Floriano (PI), no parque Raimundo Mamede de Castro, que era um grande evento na planilha econômica da cidade, estava em andamento. No parque, quando cheguei, depois de já ter “mamado” umas cervejinhas, deparei-me com um formigueiro humano. Fiz uma volta de reconhecimento do local e, então, fui para o “inferninho” – uma franquia minimizada do inferno construída com barracas de madeira e palhas, fora dos limites do parque, ao longo da rodovia BR 343. A marca “inferninho” era muito divulgada em função do que acontecia no seu bojo: assassinatos, prostituição, jogos, brigas e bebedeiras – uma réplica, segundo observadores tradicionais, do inferno.
No “inferninho” encontrei uma “prima” que, como fachada comercial, vendia cerveja, no entanto, o faturamento bruto do negócio estava no agenciamento de garotas de programa, hoje profissionais do sexo. Fiquei empolgado na barraca da “prima” e, portanto, enchi a cara de água benta. Certa hora, ela ofereceu-me uma rede, armada fora da barraca, para eu relaxar um pouco até as pernas obedecerem aos comandos do cérebro. Deitei-me. Dormi. Certa hora da madrugada, acordei em função de uma conversação e risos. Eram duas jovens mulheres que, segurando nas beiradas da rede, faziam xixi, uma de costa para a outra de tal forma que uma estava virada para a minha cabeceira e a outra para os meus pés. A que estava fazendo xixi praticamente debaixo de minha cabeça, falou:
- O homem tá acordado!
De costas, sem virar a cabeça, a outra disse:
- você já fez foi enjoar de ver “isso”, não é, moço?
Olhando entre as pernas da outra, falei:
- Ainda não! Agora, aqui vai ficar um odor forte pra caramba de xixi!
- Vai não, moço, pois desde as sete horas da manhã que nós estamos bebendo cerveja... Você vai ficar é bebinho da silva, de novo! – sorriram descontroladas.
Se ela falou a verdade ou não, é difícil de eu saber, no entanto dormi novamente. Acordei de manhã e vi dois buracos no chão feitos pela pressão do xixi das mulheres e, então, fiquei convencido de que tudo foi verdade e não uma alucinação provocada por um delirium tremus.

frase de placa


"Eis o problema: a maioria das pessoas pensa no que não quer e se pergunta por que é que isso sempre acontece."
John Assaraf

desejo de torturar criança I



Na década de setenta, no prelúdio de minha vivência na construção da rede cognitiva sobre o mundo, conheci uma família, de grande prole, que vivia em estado de penúria. O pai fazia jacás de cipós e bambus para vender na feira livre de Floriano (PI); a mãe, de casa em casa, andava pedindo, toda cheia de vergonha, um punhadinho de farinha, uma xícara de arroz, uma colher de açúcar, uns grãos de feijão, etc. Os filhos eram tão magricelos que poderiam ser expostos numa aula de anatomia.
As crianças, extremamente sorumbáticas, não tinham ânimo para brincar. Passavam a manhã toda com um olhar de medo a esperar o pai que saia para vender os jacás e, ao retornar, geralmente meio eufórico pela bebida, açoitava, sem nenhum motivo aparente, os coitados.
Hoje, acho que descarregava as frustrações e insucessos do cotidiano nas crianças. Não é a pobreza, acredito, que converte um indivíduo num torturador, mas um desvio doentio psicológico adquirido, pois os ricos também se “divertem” torturando o semelhante.
Na época, era difícil alguém fugir de casa, mas hoje muitas crianças ganham as ruas porque se sentem injustiçadas pelos julgamentos e aplicações de duríssimas penalidades pelos pais, tutores, responsáveis, etc.
Estive conversando com algumas crianças e percebi que carregam um sentimento ativo que eu não sei descrever. Esse sentimento não se resume aos seus progenitores, tutores, responsáveis, etc, mas se estende a toda sociedade, pois, declaradamente para alguns, matar e morrer são verbos similares. Do jeito perdido e desconsolado que olham o mundo, não se pode duvidar. Nos olhos delas não existe medo, amor ou ódio, mas algo congelado duramente transmitindo que nada faz sentido.
Educar açoitando é um paradoxo: não se gera amor ferindo a alma.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...