sala VIP

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

vida de professor



Na principal Avenida de Zé Doca (MA), mais um barzinho era recém-inaugurado. O professor Luis Carlos o batizou de Castelo da Lili. O nome já alude o formato do bar.
Certo dia, estávamos, eu, varios professores e alguns técnicos administrativos do instituto federal - campus Zé Doca, desperdiçando frases e, paralelamente, aliviando, com cervejas e carnes grelhadas, os estresses da vida normatizada das cidades quando, no apertar da madrugada, alguém pediu mais um churrasco. Lili, a proprietária do bar, disse:
- A menina que trabalha comigo adoeceu e foi para o hospital, portanto não tem mais churrasco!
Francisca Lustosa, que é enfermeira do campus, inquiriu:
- Não entendi: será que ela levou também a carne do churrasco para o hospital?

Frase de placa


"Dê o primeiro passo na fé. Você não precisa ver a escada inteira. Apenas dê o primeiro passo."

Martin Lutter King Jr.
Em 2010, galguei os degraus da escada que estavam planejados. Devo muitas gratidões pelas minhas realizações. Obrigado a todos que, direto ou indiretamente, me ajudam nesta escalada. FELIZ ANO NOVO PARA TODOS.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Caserna verde: sonho e decepções - I


O 3º Batalhão de Engenharia de Construção, situado em Picos (PI), selecionava, na época, jovens em Floriano (PI), para servir ao Exército Brasileiro.

Ao completar 17 anos, alistei-me e, portanto, ansiosamente, fiquei esperando o dia da realização dos exames médicos e psicológicos. O desejo de eu incorporar-me no exército era muito mais do meu pai do que meu. Quando nasci, num rincão piauiense isolado do mundo, meu pai, muito contente, falou para minha mãe: “Este menino vai ser um soldado do Exército Brasileiro!” O sonho dele poderia estar próximo de se concretizar.

A seleção era feita no Floriano Clube, localizado na Rua São Pedro. O clube estava lotado de jovens que sonhavam servir o exército, pois, na época, esse era o vestibular para o indivíduo tornar-se efetivo da Polícia Militar do Piauí. Não havia concurso. Um tenente mandou que todos tirassem as roupas. Foi um momento muito hilário, pois surgiram cuecas que tinham praticamente só o cós – furada, suja e de cor indefinida. O médico, que também era tenente, chegou e esbravejou:

- Foi ordenado que vocês ficassem nus! Alguém aqui não sabe o que é ficar nu?

Ainda hoje tenho vergonha de relatar, pois foi um dos piores constrangimentos que já vive. Nós, homens, somos muito sistemáticos com relação a ficar nu diante de outro homem. Imaginem diante de quase 200 (duzentos). Os jovens, inclusive eu, apertavam as pernas e, com uns gestos encabulados, cobriam os órgãos genitais com as mãos. O médico, com cara de mau e voz estridente, entrou em cena novamente:

- Em fila! Pernas entreabertas e braços descolados do corpo!

Ah, meu deus, que situação! O médico sacou uma antena cromada de rádio e, distendendo-a, começou a examinar, um a um, todos nós. Chegou a minha vez. Ele disse:

- Abra a boca!

O indivíduo deveria ter um número mínimo de dentes para ser selecionado.

- Levante os braços até a altura dos ombros.

Observou a simetria do meu corpo.

- Abra as pernas!

Falava sempre em tom de quartel: a última palavra da frase sempre tem sílaba tônica. Levantou, com a antena, o meu pênis e observou se não tinha alguma micose ou ferimento.

- De costas!

Novamente, observou a simetria do meu corpo. Então, disse-me:

- Vá fazer o exame de vista.

O exame oftalmológico era muito simples: a gente cobria com uma das mãos um dos olhos e ficava lendo aleatoriamente, de acordo com a letra apontada pelo médico, o alfabeto em diferentes caixas. O mesmo processo se repetia com o outro olho.

- Pode ir para a entrevista!



sábado, 11 de dezembro de 2010

VOU TE CONTAR, SAM!


Entrei no II Amigo Secreto Virtual de Natal da Ester, do blog UNIVERSO, e depois fiquei matutando: detesto dar presentes, pois não sei escolhê-los. Chegou o anúncio do sorteio, eu deveria presentear SAM. Pânico: achei que fosse um homem, pois SAM me arremeteu, erroneamente, a Samuel e não, por exemplo, a Samara. SAM continua, pra mim, um enigma. Acessei o blog VOU TE CONTAR e, para meu alívio, SAM é uma mulher de 25 anos. Alívio? Li o perfil dela e extrair poucos e evasivos traços de sua personalidade. Pânico: o que dizer, então, para ela? Senti-me um infanto-juvenil tentando memorizar frases para dizer a uma garota. Vorazmente, passei a ler a página dela e fiquei, à medida que verticalizava nos textos, mais paranóico, pois o que eu poderia dizer à pulsante autora de VER-Sou-DESEJO?

SAM gosta de poesia concreta e, se ela não estiver fingindo, ama a vida bucólica; retrata, nostalgicamente, seus sentimentos; parece-me sonhadora além dos limites, pois ela diz: “o real é ardido”. A SAM é supersticiosa “com pimenta no pescoço e mel na boca”. Meu deus, que presente eu daria para essa mulher? Quiçá eu pudesse dizer: os nossos destinos se encontraram num sorteio ou, então, gostaria que as notas musicais intrínsecas da amizade fizessem vibrar a sua alma... Muito piegas!

A falta de inspiração, SAM, mulher de textos envolventes e apaixonantes, abafou o poema que escreveria para você. Eu lhe presentearia:


Com um poema que não escrevi

Acompanhado de uma imaginária rosa vermelha,

Colhida no jardim “Flor-Rir”

E um cartão de amizade virtual

Selado com o coração de um blogueiro.



Beijos na “alma de guaraná”





segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

vida de professor


Os Correios promovem uma campanha natalina lúcida, denominada Adote uma Carta. As criancinhas escrevem para Papai Noel e a gente vai até uma agência da empresa, resgata quantas cartinhas puder e realiza o pedido. São muitas frases comoventes que se lê. Frases puras. Não contaminadas com a malícia adulta. Frases ingênuas e frases pautadas na realidade cotidiana da criança. Frases de esperança e expectativa. Frases de ressentimentos por Papai Noel não ter atendido ao pedido do ano anterior. Frases sofridas e tristes – espancamento, alcoolismo, brigas em casa, energia cortada, água cortada, desemprego dos pais, etc e tal. Frases... frases para fazer um pedido. Pedido geralmente simples como, por exemplo, um carrinho ou uma boneca; pedido de responsabilidade precoce como, por exemplo, o material escolar do ano seguinte; pedido sofisticado como, por exemplo, um playstation de última geração; pedido de socorro como, por exemplo, acabar com as brigas familiares; pedido de cunho social como, por exemplo, um emprego para o pai. Para a criança, Papai Noel pode fazer tudo. Coisas da pureza infantil. E as cartas são endereçadas ao Pólo Norte. Pólo Norte dos homens sem direção, sem norte. Homens que ignoram os pedidos e, portanto, as cartinhas, escritas com tanto esmero e esperança, vão parar no lixo. Na noite de Natal, a criancinha sonha com o presente que nunca virá e, portanto, no ano seguinte, retorna toda ressentida com Papai Noel para postar mais um pedido... Pedido que os homens insensíveis, esquizofrênicos de problemas de adulto, ignoram. As crianças, para muitos adultos, são apenas crianças. Algo sem sentimentos. Infeliz engano: as crianças serão o norte ou o fracasso do homem de hoje.
Fui, aqui em Zé Doca (MA), na agencia dos correios com o objetivo de adotar uma cartinha endereçada ao Pólo Norte. Perguntei ao auxiliar administrativo:
- Vocês participam da campanha Adote uma Carta?
- Sim.
- Eu gostaria de participar.
Com um carimbo suspenso no ar, ele me olhou e, então, achando que eu queria pedi algo a Papai Noel, disse:
- Você escreve uma carta e entrega aqui para nós!
- Você não entendeu: eu quero adotar uma carta.
Novamente, parou de digitar sei lá o quê e, num tom normal, interrogou-me:
- Qual é o seu telefone? Onde você trabalha?
Identifiquei-me. Ele, sem convicção, disse-me:
- Ainda não chegou nenhuma carta aqui.
Afastei-me e pude percebê-lo fitando-me com um olhar vacilante sobre os óculos. Saí cheio de dúvidas se ele teria acreditado em mim e, portanto, fiquei convencido de que eu tenho cara de pedinte e não de Papai Noel. De qualquer forma, retornarei lá para tentar resgatar uma cartinha. Pelo menos uma, com certeza, não terá o endereço do lixão da cidade. Cidade de pedra, sem coração.


P.S: Fugi do meu estilo de escrever para tentar tocar o seu coração com a repetição de vocábulos que formam um texto lasso.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

As multifacetadas do casamento VIII




Ao sair do hospital, o mundo não era mais o mesmo, pois, com tanta riqueza de detalhes, eu nunca tinha observado o andar gracioso, os gestos angelicais e as sinuosas curvas femininas; a cidade policromática enfeitiçava os meus sentidos; sentia uma exótica vontade de gritar aos quatro cantos do mundo: “Estou vivo!”; via tudo com uma curiosidade aguçada de criança e, concomitantemente, saboreava uma leve anestesia espiritual provocada por uma indescritível felicidade.
Pedi ao condutor do veículo que, por favor, diminuísse a velocidade. Imediatamente, meio assustado, perguntou-me se eu estava sentindo dores. Respondi que não, mas fiquei com vergonha de confessar que estava feliz. Apenas, gostaria que aquelas cenas não fugissem tão rápido: era sublime viver aquele momento. Determinadas coisas, a gente não pode reportar a outro homem senão, de canto de olho e com trejeitos no rosto, começa a gozação pejorativa e depreciativa: “Virou boneca, heim!”; “A viadagem tá solta!”; “Eu botava tanta fé em você!”; “Tá doída pra voar, gazela!”; etc, etc, etc... Rótulos cotidianos da educação machista. Queria apenas fazer uma curvatura no parâmetro tempo para que a minha felicidade demorasse mais alguns segundos.
De volta ao novo mundo, a minha decisão estava abalizada: o casamento seria o meu próximo itinerário de vida. Eu não estava com pressa em viver enigmáticas experiências, mas a lógica do meu furtivo mundo seduzia novos paradigmas comportamentais.
Na pequena janela do meu pretérito, onde transitava folgada a minha ignorância sobre a vida, não passava a minha maturidade e, portanto, desconstruí conceitos estilizados que inflavam o caricatural ego.
Ao passar pela farmácia, minha mãe comprou várias caixas de cada medicamento indicado pelo médico. Em casa, o meu quarto estava impecável. A janela aberta soprava liberdade e vida. Como aquela casa era extraordinária! Quantas coisas feéricas cabiam dentro dela e eu, embriagado com torpes eflúvios da vida, nunca tinha percebido: amor, fraternidade, esperança, alegria, coragem, determinação, etc, etc, etc. Tudo transbordando por portas, janelas e frechais. Tudo ao meu alcance!
Depois de cinco dias que tomava os medicamentos, resolvi suspendê-los. Não sentia dores agudas e, portanto, telefonei pro médico e perguntei se, mesmo não sentindo nada, era obrigatório o uso dos remédios que me deixavam com um odor nauseante. O médico, num tom debochado, grosseiro e zombeteiro, disse-me: “Se tu não tá sentindo nada, porra, vai tomar remédio pra quê?” Foi a primeira e última vez que liguei pra ele. Desde aquele prosaico sábado de 1998, nunca mais tomei aqueles antibióticos.


P.S: A minha intenção inicial, inclusive o título dos textos não me deixa mentir, era falar sobre as minhas experiências de casamento até a fase de separação, mas o acidente não deixou o tema vingar e, portanto, fiquei convencido de que ainda não estou emocionalmente credenciado para discorrer sobre o assunto.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

vida de professor


O curso de Enfermagem da UESPI – Universidade estadual do Piauí, campus Floriano, estava iniciando o seu primeiro período. Na época, mais por estatus da profissão (professor universitário) do que por interesse econômico, muitos médicos fizeram um teste simplificado seletivo para ministrar aulas.

Há anos, eu já ministrava aulas na instituição nos cursos de Matemática, Administração, Biologia, Contabilidade, etc. Certa manhã, eu estava encostado na bancada da recepção quando, quase correndo e ofegante, um médico, acompanhado por várias lindas estudantes de enfermagem, ordenou-me gritando:

- Leve o retroprojetor para a sala tal! Agora!

Como recurso moderno, usávamos retroprojetor eletrônico. Não contraí um músculo. Fiquei na mesma pose: uma perna para frente, outra para trás e a cabeça descansando na concha da mão esquerda. Se ele tivesse sido educado, não faria a menor questão de levar o equipamento didático ao local indicado, no entanto, com aquela falta de polidez e postura de divindade para impressionar as garotas, não teria a minha colaboração. Alguns minutos depois, chegou bufando de raiva e, então, me ameaçou:

- Quando não tem emprego, o cara anda atrás de um e de outro. Quando arranja, não quer trabalhar. Vou lhe denunciar. Esse seu empreguinho já era! Preguiça desgraçada, rapaz!!!

Inexpressivamente, continuei imóvel e calado. Depois, pensei: “ele deve estar fazendo a maior farra na sala de aula neste momento.” Coincidentemente, na semana seguinte, eu estava novamente encostado na bancada quando ele chegou e, educadamente, cumprimentou-me:

- Bom dia, professor!

Olhei desconfiado em torno. Não vi ninguém, então respondi:

- Bom dia, doutor!

Fiquei meio intrigado e fui falar com a diretora do campus, na época a professora Ariete Costa Bento. Quando comecei a expor o assunto, ela disse:

- Ah!... Já sei! O doutor chegou aqui fazendo a maior arruaça: pensava que você era do quadro terceirizado de serviços gerais, mas, quando falei que era professor, saiu daqui completamente desarmado e meio envergonhado.



Atitudes de placa


1) O blog "Clichês da Vida", da Lais, está fazendo uma campanha contra a exploração infantil. Cole, por favor, com uma legenda, o selo dela na sua página.




2) O blog "Expresso Elas", da Kátia, está promovendo a campanha "Esquece um livro". Você escolhe um livro, coloca uma mensagem como, por exemplo, "ao ler este livro, deixe-o em um local público para que outra pessoa possa lê-lo" e, então, o "esquece".

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

As multifacetadas do casamento VII



A minha vida oscilava senoidalmente entre o meu corpo e o eterno infinito. Eu já estava quase entregue ao fado, mas, para continuar pingando esperança na vida, preferi acreditar que a reabertura da cirurgia devolver-me-ia para dirigir, em aleatórios cenários reais, mais algumas cenas de minha história.
No apartamento hospitalar, naquele momento, encontravam-se comigo o professor Pedro e Inácio. A minha cirurgia estava marcada para 17 horas. Exatamente, às 16 horas e 30 minutos, sem nenhuma convicção, mas, como se alguém estivesse passando lentamente, em movimentos circulares, algo frio sobre meu abdômen, senti um leve estremecer na barriga e, portanto, pedi que me levassem ao banheiro. Imediatamente, uma fedentina invadiu o quarto. Nem liguei, pois senti um conforto físico e uma paz de espírito indescritíveis. Saí do banheiro meio que flutuando, pois uma leveza insustentável dominava o meu ser. Translucidamente, percebi os colegas, com as fisionomias trancadas, apertando, em desespero, as narinas. Finalmente, eu estava livre da tresloucada dor. O professor Pedro, fazendo humor com a situação, mais tarde me diria: “Eita, negão, tu escapou por uma cagada!” Eu também repaginei o lado cômico do cérebro e respondi: “É melhor escapar assim, professor, do que morrer entupido.”
Nenhum medicamento foi suspenso. A assiduidade da enfermeira continuava implacável. Eu não sentia mais a dor que separava, paulatinamente, o meu corpo da alma, mas agudas dores na barriga que, com o passar dos segundos, adormeciam formigando. Às vezes, dava-me a impressão que havia alguma pinça cirúrgica atravessada no meu intestino. Assim, como se a gente pegasse duas partes de um ferimento e tentasse fechá-lo.
O médico adentrou o apartamento, fez-me umas perguntas rotineiras e, então, determinou: “Amanhã, às 9 horas, você pode ir para casa!” Euforia geral que, no dia seguinte, seria abafada por uma sinistra notícia. Euforia lacônica.
Pouco antes de minha saída do hospital, o médico, sem figuras de linguagem que amenizasse o diálogo, sem comiseração, profetizou: “Sua vida, rapaz, praticamente se acabou. Sendo otimista, acho que você só viverá, no máximo, cinqüenta por cento do que você viveria se não tivesse sofrido o acidente. Você, rapaz, praticamente vai vegetar, pois não poderá mais trabalhar, correr, beber álcool, fumar e nem fazer sexo. Pro resto de seus dias, tomará fortes medicamentos e, portanto, ao sair daqui passe em alguma farmácia e compre estes antibióticos.” Enquanto o médico pacientemente falava e batia levemente o fundo de uma caneta sobre uma mesa, eu comecei a ficar comprimido pela tristeza. O meu coração se contraiu juntamente com a minha alma. O meu corpo se fechou e, de chofre, uma esperança inabalável serviu de anteparo reflexivo contra as frases negativas proferidas por ele e, então, pensei: “O difícil era eu sobreviver a tudo que passei. Depois que me libertei da dor, doutor, voltarei a viver. Você está enganado!” Não disse nada. Apenas, pensei. Paulatinamente, minha fisionomia foi ficando iluminada e eu pude, inclusive, sentir um sorrisinho fugidio descendo sorrateiramente pelos cantos da boca. Interiormente, o momento tornou-se desafiante e jocoso pra mim. Era mais um empecilho que eu deveria superar na vida. Às vezes, o médico se acha semideus e, encarapitado no seu trono de divindade, decreta o apocalipse de indivíduos.
Ele estendeu-me uma receita em escrita rupestre, onde se destacavam quatro tipos de medicamentos. Levantou-se e, como se me ignorasse, disse: “Qualquer coisa, o meu telefone particular está anotado aí no verso.” Depois de ler a receita, respirei profundamente e, logo, comecei a planejar os meus próximos passos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

vida de professor



Não há caixas eletrônicos distribuídos em locais estratégicos (lojas de conveniências, postos, farmácias, supermercados, etc.) na cidade de Zé Doca (MA). Os caixas ficam confinados dentro das próprias agências bancárias. No Banco do Brasil, por exemplo, às vezes, somente dois caixas estão em operação. Longas e cansativas filas são formadas.
Pois bem, certo dia, depois que freqüentei uma exaustiva fila, comecei a acessar os meus dados. Inconvenientemente, uma jovem, cuja respiração quente eu sentia no meu braço, posicionou-se curvada para frente e, com uma dicção irritante oscilando entre a de Marina Silva (política brasileira) e a do pato Donald, ordenava-me: “coloque o cartão”, “retire o cartão”, “digite a senha”, “coloque o cartão”, et cetera e tal. Determinado momento, parei e, calmamente, perguntei-lhe:
- Você é comentarista deste caixa?
- Não!
- Você é secretaria eletrônica?
- Não!
- Então, por favor, deixe-me, reservadamente, concluir esta transferência.
A jovem, sentindo-se ofendida, batendo com o pé no chão e com um olhar de desdém fixado num ponto qualquer, disse:
- Vejam como são as pessoas ignorantes, mal educadas e que não sabem de nada: a gente vai ajudar e elas ainda ficam com piadinhas!

Frase de placa



"A simplicidade é o último degrau da sabedoria."
Kalil Gibran

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

As multifacetadas do casamento VI


Numa tarde fracionada compulsivamente pelos ponteiros do relógio, eu sentia o sabor acre de antibióticos, no ritmo da respiração ofegante, subindo e descendo pela garganta inflamada.

No silêncio curioso e misterioso do apartamento lenitivo e sem esperança, entreguei-me, na tentativa de escapar da dor, a uma furtiva viagem mental metafísica, cujo destino seria um ponto de fuga qualquer onde a angústia não me alcançasse. No mesmo momento, no corredor do hospital, um conselho relâmpago, formado para decidir sobre a proposta do médico de reabrir a minha cirurgia, cruzava idéias, informações e riscos. Como o médico já tinha dito sem eufemismo que eu não resistiria uma viagem até Teresina, o grupo, constituído por Inácio, Jorge Laurentino e minha mãe, o autorizou a reabrir-me, isentando-o, portanto, de qualquer resultado imprevisível que pudesse ocorrer.

Na verdade, segundo viria declarar mais tarde para Inácio, iria reabrir-me somente como justificativa para a minha família que não me deixou morrer à míngua, pois não tinha nenhuma esperança de salvar-me. Acrescentou, também, que na primeira intervenção cirúrgica eu escapara por milagre.

Os resultados dos rotineiros exames (sangue, fezes e urina) solicitados pelo médico tinham acabado de chegar. O centro cirúrgico já estava sendo preparado. Como na primeira vez, a qualquer momento a enfermeira entraria com um aparelho para depilar-me. Numa forma de descontração da tensão pré-cirúrgica, olharia para o meu pênis e balançaria negativamente a cabeça. E eu ficaria sem entender a mensagem, no entanto deixaria um olhar lascinante passear suavemente sobre o corpo dela, e, portanto, com um riso mastigado no canto da boca, repreender-me-ia: “Fique com esse olhar de tarado mal resolvido que eu faço é te castrar, Bem no tronco.” Eu sorriria e ficaria só olhando-a repuxar o meu pênis de um lado para o outro enquanto rasparia os pelos pubianos. Depois, eu soube que ela era irmã da namorada de Inácio. Quiçá se explique a espontaneidade com que ela me tratava. Ele nunca me disse, mas acho que Inácio pediu que ela me desse uma especial atenção.

O ritual pré-cirúrgico seria similar ao primeiro: depois de me vestirem de branco, colocar-me-iam numa maca crepitante e, então, um auxiliar de enfermagem a empurraria pelo corredor do hospital, onde a minha mãe, cheia de incertezas nos olhos, acenar-me-ia; em seguida, só barulhos de portas abafados pelos choros velados das dobradiças, que faziam a minha alma tremer de pavor. O centro cirúrgico, abarrotado de metais brilhantes, luzes intensas e uma parafernália clínica que eu não conhecia, estaria impecavelmente organizado. Num canto qualquer, assistindo ao programa “Fantástico” da Rede Globo, na maior tranqüilidade do mundo, encontrar-se-iam dois médicos, o cirurgião e o anestesista. Como naquele dia a cirurgia seria mais cedo, deveriam estar assistindo a algum programa de auditório, talvez. O anestesista, discutindo política com o cirurgião, prepararia uma seringa com um líquido qualquer e, dirigindo-se para mim, começaria um diálogo fútil. Ao injetar o líquido no meu corpo, pediria para que eu relatasse como ocorrera o acidente. Instantaneamente, eu sofreria um apagão mental e, caso não morresse, seria, mais uma vez, conduzido sincopado ao apartamento, cujo número foi subtraído da minha memória.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

vida de professor


O Instituto Federal do Maranhão, campus Zé Doca, comprou da empresa “De Lorenzo do Brasil” uma mini-usina de processamento de biodiesel. A empresa, situada em São Paulo, enviou um técnico, William, para entregar a planta (máquina). Como engenheiro mecânico do campus, eu acompanharia cuidadosamente todo o processo de compra/entrega, pois teria que emitir um parecer técnico para a procuradoria do instituto relatando se a planta estava de acordo com as especificações estipuladas no pregão.

O primeiro encontro com o técnico foi meio amistoso, mas carregado de reservas, de ambas as partes. De quando em vez, ele sacava uma “novidade” como, por exemplo, um mini-mouse, uma mini-balança, etc., e, então, perguntava-me: “Você conhece isto?” Eu apenas dizia sim e ficava me sentindo um jeca que troca ouro por espelhos.

O comportamento do técnico não era de quem estava num instituto tecnológico, mas numa aldeia isolada da civilização. Apresentava-se cheio de nove horas e coisa e tal; falava arrastando excessivamente algumas consoantes e contaminava o diálogo com gírias. Eu ficava só avaliando a ficha dele. Certo momento, ele subiu numa escada para abastecer o reservatório de recebimento de óleo. Lá em cima, encontrou uma aranha e, sem que eu conseguisse entender as suas intenções, interrogou-me:

- Esta aranha voa?

Por impulso, respondi:

- As aranhas de São Paulo, sim. As coitadinhas do Nordeste ainda não conseguiram evoluir.

O cara congelou os movimentos e, olhando-me de soslaio, calou-se. A fisionomia fechada dele dizia: “Este capiau babaca me ferrou.”


Frase de placa



"Não faça da tua vida um rascunho. Poderás não ter tempo de passá-la a limpo."

Mário Quintana

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

As multifacetadas do casamento V

A dor insana e incessante espremia a vida do meu corpo. As cores do mundo revelavam-se em preto e branco. Naquele momento, nada me metia medo.
Lembrei-me, numa sinapse de luz cerebral, do surrealista acidente automobilístico que sofri. Segundos antes de o automóvel chocar-se contra uma mureta de concreto de uma rotatória, resolvi, por puro instinto, colocar o cinto de segurança. Eu estava no banco da frente. Carona da agonia. Como foi uma atitude de defesa e reflexo, travei o cinto protegendo apenas o abdômen e, portanto, no instante do choque, fui violentamente arremessado no painel do veículo. Alguém gritava: “O carro vai pegar fogo!”. Mecanicamente, destravei o cinto, abri a porta e, completamente anestesiado, deitei-me na pista, indiferente a tudo. Poderia estar ali ou alhures.
Fui socorrido por populares e, logo, levado para o Hospital Tibério Nunes, em Floriano (PI). Curvado e sobre uma cadeira de rodas, fui deixado. As dores, à medida que o tempo passava, começaram a se revelar. Automaticamente, eu apenas passava a mão no sangue que gotejava do queixo. O joelho direito sangrava numa vazão considerável, mas não doía, e, portanto, era como se eu estivesse olhando aquela cena em outra pessoa. O abdômen e a coluna causavam-me um desconforto irritante. Um médico aproximou-se e, então, perguntou-me se eu tinha plano de saúde. Respondi que não. Ele virou as costas e, faceiramente, saiu a desfilar pelo corredor do hospital. Nunca mais retornou. E eu fiquei na sala de espera do hospital vendo a vida a escorrer pelo corpo abaixo. O meu colega condutor do veículo, como tinha plano de saúde, estava sendo tratado com todos os mimos.
Inácio, um amigo, viu o carro todo amarrotado no balão do anel viário de Floriano (PI) e, então, imediatamente, foi ao hospital. Vendo-me abandonado num canto qualquer, pediu que me conduzissem para um apartamento. Um médico perguntou-lhe: “Quem é que vai pagar?” Ele disse: “É o diabo!! Eu estou mandando é colocá-lo num apartamento.” Na época, Inácio era o gerente do Banco do Estado do Piauí, futuramente incorporado pelo Banco do Brasil.
O cinto de segurança do carro pressionou tanto a minha barriga que, em forma de tatuagem temporária, ficou nela gravado. Fui submetido a uma laparotomia – cirurgia exploratória abdominal. Pois foi, remexeram tudo. Descobriram que o meu intestino estava perfurado e, portanto, extraíram um pedaço dele. Começava, logo, o meu estado de penúria hospitalar, pois, depois da cirurgia fechada, o intestino se recusava a funcionar. Simplesmente, o médico não sabia o que estava acontecendo. Eu sentia como se a minha barriga fosse uma bola de sopro, sempre a crescer. Tomei quase todo o estoque de “Algarol” do hospital, mas nada: o intestino continuava “dormindo”. Em função do inchaço do abdômen, a cirurgia não cicatrizava e, então, começou a supurar. As pessoas diziam, todas reservadas nos corredores, “Começou a apodrecer, não escapa!”.
Os periódicos barulhos das rodas de um carrinho de apoio acusavam a aproximação de uma enfermeira. Dolorosamente protestando através dos rangidos das dobradiças, a porta do apartamento se abria e, portanto, carregando uma bandeja de inox cheia de seringas, algodão, ataduras, iodo, medicamentos, esparadrapos, pinças, etc, etc., entrava uma enfermeira. Ela injetava com uma seringa, várias vezes ao dia, solução de iodo através dos pontos cirúrgicos quebrados no meu umbigo. Eu sentia o líquido subindo e descendo por baixo do couro cabeludo. O meu umbigo ficou deformado pro resto de minha vida. Também, aplicava-me, nos braços, vários tipos de medicamentos e, substituindo o frasco de soro, afastava-se. Compenetrada. Eu ouvia o barulho frenético do carrinho fazendo vidros e metais vibrar se perdendo ao longe. Depois de um período, os meus braços e as minhas mãos incharam e, em função da quantidade de picadas que sofri, então, os medicamentos passaram a ser adicionados no soro.
Como o intestino não respondia, o médico, numa determinada tarde, decidiu que às 17h iria abrir-me novamente, pois, segundo ele, chancelado por mim, eu não resistiria uma viagem até Teresina (PI).
Foi nesse melancólico tempo de espera que fechei os olhos e fiquei aguardando uma luz intensa no fim de um túnel fictício.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

vida de professor


O telefone sem fio chegara à cidade. O telefone de meus pais, de cor vinho gritante, estava com defeito: a pessoa falava e, paralelamente, ouvia a própria voz. Resolvi presenteá-los com um novo aparelho. Adentrei numa loja de departamentos em Floriano (PI) e, meio ignorado, fiquei olhando, por muito tempo, as vitrines, onde os telefones encontravam-se isolados. Meio desacreditado em vender-me alguma coisa, aproximou-se um vendedor. Perguntei-lhe:

_ Qual o preço deste aparelho?

Olhando-me de cima a baixo, o vendedor, fazendo uma cara de desânimo, distorceu a resposta de minha interrogação:

_ É preciso comprar uma linha para este telefone funcionar!

Tive vontade de dizer alguns impropérios para o vendedor, mas, contendo-me, resolvi prossegiur a interlocução:

_ Essa linha é para amarrar o telefone?

A fisionomia dele poderia ser traduzida pela frase: “Como tem gente imbecil nesse mundo.” A contragosto, articulou:

_ A linha é comprada na TELEPISA.

Na época, a TELEPISA – Telecomunicações do Piauí S.A, era a concessionária vigente. Debochei:

_ Você quis dizer “Casas das Linhas”, não?

O cara ficou inacreditavelmente pasmado e, então, objetou:

_ Aconselho você a não comprar o aparelho.

Retirou o fone da base e, como um demente, começou a falar asneiras desconexas. Estendendo-me aquela máquina do tempo, disse:

_ Teste como está mudo. É assim que vai ficar na sua casa!

Com um aspecto curioso de aprendiz, protestei:

_ Você não ligou nenhum número!

O vendedor descontrolou-se e, então, entre os dentes e bem próximo do meu ouvido, gaguejou nervoso:

_ Liga pro inferno que tu vai ouvir uma voz bem docinha...

Não perdi o lema e, instantaneamente, completei:

_ É a sua mãezinha quem vai atender?

Ele fez um gesto obsceno com os dedos e, furioso, retirou-se balbuciando vocábulos impublicáveis.





BlogBlogs.Com.Br

Frase de placa


"O importante não é viver, mas viver bem."

Platão

"Talvez este mundo seja o inferno de outro planeta."

Aldous Huxley

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As multifacetadas do casamento IV

Há um adágio que diz: “A pior vida do mundo é melhor do que morrer.” Peremptoriamente, afirmo: quem criou este provérbio não conheceu o purgatório enigmático que a dor aprisiona o indivíduo.

Eu avaliara equivocadamente que o sistema de drenagem, introduzido via nariz no meu âmago, era a causa de toda a minha angústia, dor e desconforto, pois, depois de sua súbita e inesperada retirada, continuei enfarado, esquálido e aguilhoado por uma dor continuamente petulante.

A repugnante dor minava a minha resistência com uma crueldade gotejada. O meu caquético corpo não tinha mais vontade de ser manipulado por uma alma e, paulatinamente, deixava escapar as paixões terrenas. Quando estava deitado, achava que se eu caminhasse aliviaria aquela insana angústia; quando começava a caminhar, o corpo reclamava um desconforto maior. Eu via as pessoas pré-operadas sorrindo nos corredores do hospital e, independentes, carregando os seus frascos de soros, de um lado para o outro. Eu não tinha independência. Não sorria. Pensamentos sombrios e macabros de saudades e despedidas acalentavam-me no leito. Os meus projetos de vida, incluindo o casamento, foram rodopiando pelo escuro tubo imaginário do esquecimento.

Lembrei-me de experiências de vida pós-morte que tinha lido. Segundo os relatos, o indivíduo entra num túnel e, logo, vê uma luz muito intensa. No centro cirúrgico do Hospital Tibério Nunes de Floriano (PI), passei por uma síncope temporária, mas não vi túnel nem luz. Não vi nada. Fui reanimado pelos médicos. Na minha memória não há nenhum arquivo cognitivo lógico ou ilógico da cena. A história (ou estória) da alma ficar levitando sobre o leito a olhar o corpo desfalecido sendo ressuscitado pelos médicos, eu não vivi. Fui informado, muito tempo depois, por um colega, da minha “morte” e “ressurreição”. Desse período, nada ficou registrado nas linhas ou entrelinhas feéricas ou eclipsadas do meu errante itinerário de vida. A minha memória foi, simplesmente, apagada.

A esperança que “minha hora” ainda não tinha chegado foi expulsa dos meus pensamentos e, também, do apartamento hospitalar. Hermeticamente, cerrei ambas as portas. A realidade me agredia covardemente na cama e, paralelamente, assustava todos os meus sonhos. Sonhos que começaram a se esconder, em forma de desespero, nos olhos de minha mãe. Eu fenecia firme, mas os gestos me condenavam. As raras visitas não tinham mais uma postura altiva e de esperança, mas deixavam a tristeza pousar nas fisionomias e, vacilantes, ficavam a fuzilar o chão com os olhos. As conversas dentro do apartamento ficaram raras. Discretamente, as pessoas chamavam a minha mãe e, no corredor, sussurravam coisas não inteligíveis pra mim. Era o sinal que eu estava prestes a abandonar o sofrimento e, logo, repousar profundamente.

A minha mente, confusa pelos antibióticos e delirando de sofrimento, começou a desejar a morte. Com a morte, pensava, tudo será sanado. Eternamente sanado e, portanto, poderia ter paz. Desejei, mas não disse pra ninguém. Apenas sofria, à medida do possível limite, sem reclamar. Sem escândalo. Sem choro. Evitava encarar as pessoas, pois elas tinham feições de despedidas. Eu me tornei um capacho fiel da dor: não me deixava concentrar mais em nada. Apenas nela, a famigerada dor. Minha inseparável conluiada, segundo após segundo.

Atingi um limite de dor que cheguei a abafar nos meus desvarios os planos de formalizar uma família. Esposa, filho(s) e lar foram lançados, num pacote feito às pressas para descarte, no pretérito irreal. Tudo, naquele momento, não passava de um sonho que não poderia se materializar, pois, eu mesmo, segundo pensava, estava sendo tele transportado para um lugar que fantasia o imaginário humano, mas ninguém sabe explicar onde fica.

Estava entregue à situação. Fechei os olhos e, então, fiquei a esperar uma luz intensa no fim de um túnel fictício.




quinta-feira, 9 de setembro de 2010

vida de professor


Numa determinada manhã escaldante piauiense de domingo, eu estava, sozinho em casa, a assistir ao filme “Black Rain” que enquadra a vida de alguns japoneses, no ano de 1945, antes, durante e depois do lançamento da bomba atômica pelos americanos sobre as cidades alvos. A minha ex-esposa tinha saído com as crianças para um clube social. Como eu ministrava aulas durante a semana nos turnos matutino, vespertino e noturno, não tinha ânimo para sair nos finais de semana.

De repente, insistentemente, alguém batia palmas no portão de minha casa. Deixei os segundos avançarem, mas nada, as palmas continuavam cada vez mais fortes. Resignado, resolvi ir saber quem era que lá estava. Abri a porta e vi um vendedor ambulante especado no portão com um carrinho cheio de bugigangas: redes, espelhos, quadros, panelas, copos, etc, etc. O suor porava abundantemente pelo rosto dele. Meio impaciente, falou:

- O dono da casa está?

-Está!

-Chame ele aí! – gritou olhando pro chão e cuspindo.

Não debochei, não mudei a expressão. Apenas completei o diálogo:

- Sou eu!

O vendedor respirou fundo, abanou a cabeça negativamente, jogou umas tralhas nas costas e, olhando-me duramente pelo canto do olho, saiu empurrando aos solavancos o carro de variedades e falando amargamente grosso:

- Eu aqui num sol de lascar, trabalhando sério e tu fica com sacanagem. Não quer chamar o dono, não chame, mas não fica tirando onda com a minha cara, seu merda!

Como fui tratado por “seu merda”, em vez de “seu Antonio”, tive vontade de jogar uma bomba atômica dentro do carrinho de bugigangas dele. Só pra ver aquele merda voando aos pedaços.








segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Frase de placa


"Ignorar o inesperado (ainda que fosse possível) seria viver sem oportunidade, sem espontaneidade e sem os ricos momentos dos quais a vida é feita."
Stephen

As multifacetadas do casamento III



Acordei completamente desnorteado e, sentindo-me em um ambiente não familiar, vi a minha irmã, Janete, que viria a morrer em um acidente automobilístico, sentadinha solitariamente numa cadeira. Como eu fiz um gesto brusco e involuntário com a mão, ela, rapidamente aproximando-se, disse-me: “Calma, você está no hospital.”
Senti uma pitada de felicidade por estar de volta à vida, no entanto, degustei um incomodo gosto de borracha. Fizeram a introspecção de um tubo de borracha, através do meu nariz, para fazer a drenagem interna pós-operatório. A experiência mais azucrinante que já vivi foi aquele sistema de drenagem: a garganta ardia com o atrito da borracha; a tentativa de engolir em seco era recompensada com angustia, dor e impaciência; não podia mudar de posição, pois o tubo provocava-me ânsia de vômito; a sede era incontrolável, mas não podia beber; o suor pesado de antibiótico provocava-me vontade de tossir, mas não podia: os pontos cirúrgicos seriam arrebentados; só conseguia mexer os olhos e um dos braços: o outro estava espetado com soro cheio de medicamentos amarelados.
Durante intermináveis dois dias, fiquei enquadrado na mesma posição. Esse foi o tempo para uma reflexão picotada pela dor, mas, nos momentos de sinapse lógica, lúcida: a minha obra na Terra ainda não estava consumada, pois me faltava um filho para desfilar com os meus genes.
Com a pressa habitual, o médico invadiu o apartamento e, então, ignorando-me, perguntou a minha mãe como eu estava reagindo ao tratamento. Diagonalmente, forcei a minha participação no diálogo e, logo, perguntei-lhe se não podia retirar o sistema de drenagem. Por impulso, aproximou-se da cama e, retirando um esparadrapo colado sobre o meu nariz, puxou, sem avisar-me, o tubo de borracha. Vi, pulverizados no ar, sangue e restos esverdeados de vísceras. A dor foi tão contundente que eu, agarrando-me em um dos braços dele, subi junto com o tubo. Fiquei, meio desacordado, a flutuar, entorpecido pela dor, sobre o leito encharcado de suor. Não gritei. Não fiz escândalos, apenas musicalizei um sonoro gemido que fez eco no meu ser.
No dia seguinte, uma ex-namorada, que dizia, quando eu estava com saúde, adorar-me, foi visitar-me. Colocou um pequeno jarro com uma rosa de plástico sobre uma mesinha, olhou-me de soslaio e, abanou a cabeça negativamente como quem dizia: “Você já era, meu caro!” Não demorou muito, olhou-me novamente com indiferença, saiu meio altiva e nunca mais retornou àquele apartamento hospitalar.
Depois dessa visita, meus pensamentos foram revoluteados novamente: faltavam-me fundamentos convincentes sobre a minha decisão de casamento. Pra mim, a ex-namorada, depois da expressão de indiferença, foi apenas um simulacro lacônico, mas que me projetou em delírios reflexivos. O taciturno cubículo do hospital já não amedrontava mais o meu corpo caquético e de alma confusa.
Olhei pro teto e, decepcionado, meditei em coisas que me fizessem esquecer o ser humano.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

vida de professor



Eu estava num barzinho saboreando frases de bêbados e, paralelamente, gastando os últimos dias de férias que me restavam naquele ano quando, com a cara inchada e parecida com uma bola de sopro, chegou um bêbado louco pra “quebrar uma” (gíria local dos esportistas do copo quando vão tomar uma dose de cachaça), mas estava desprovido economicamente, isto é, duro, liso, quebrado, etc.
Para participar do papo etílico que se arrastava de mesa em mesa, começou a contar uma estória ou história (sei lá) que, certa feita, alguém o tinha empurrado de cima de um caminhão em movimento. Meio curioso com a estória (história), um colega nosso perguntou-lhe, referindo-se à sua estrutura óssea:
- Não quebrou nada?
E o bêbado, achando que uma dose de cachaça estava sendo oferecida, retrucou:
- Só se você pagar uma pra mim!

frase de placa


"Amizades são coisas frágeis, e requerem muito mais cuidados que todas as outras coisas frágeis que existem."
Randolph S. Bourne

As multifacetadas do casamento II



As paredes verde-encardido do apartamento do hospital emolduravam-me a longos e vazios períodos de espera, silêncio, tensão e expectativa. Como uma estátua, o meu corpo, com todos os movimentos anestesiados, mostrava-se indiferente à dinâmica pulsante da vida.
Pessoas que, inexplicavelmente, eu tinha uma ojeriza repulsiva, antes do acidente automobilístico que sofri, estavam a visitar-me diariamente, enquanto que as consideradas colegas, na maioria abissal, nunca compareceram nem para perguntar como eu estava reagindo aos medicamentos. Eu não necessitava de comiseração, mas de oníricos bate-papos que emplacávamos madrugada adentro nos tempos de folgança. Não fiquei ressentido, mas introspectivo e crítico do comportamento humano. Praticamente, no apartamento sombrio do hospital, a minha mãe tornou-se enfermeira, médica, visitante, acompanhante e conselheira.
Na época, refleti: biologicamente, a tendência é o envelhecimento e, portanto, a incontestável morte dos progenitores de um indivíduo; os irmãos, geralmente, se casam e, então, para não viver no ostracismo familiar, o indivíduo necessita formalizar a sua célula social que, no futuro, sofrerá mitose geradora de novos indivíduos – disseminadores da história dos ancestrais.
Entendi que o medo da solidão é o maior aliado do casamento. A solidão transformou-me psicologicamente. No grande teatro da vida, vi vários “fantoches” de representações cênicas impecáveis. “Fantoches”, sem vida na minha história, capturados em preto e banco por uma enferma retina apertada por pálpebra inflamada. Registro que deixei no arquivo do tempo para ser destruído por traças da indiferença.
Não é, afirmo, uma atitude de revolta, mas uma tentativa de corrigir, sem afobação, os meus passos desordenados em direção ao infinito. Quiçá, ao nada ou a um metafísico buraco negro.

sábado, 14 de agosto de 2010

vida de professor


Contratei um pedreiro para revestir umas colunas com cimento e, também, fazer algumas derivações na rede hidráulica de minha casa.

Ao apertar da tarde angustiante e de sol reluzente, percebi que somente o pedreiro tinha, durante várias vezes, solicitado água para beber. O seu auxiliar, intrigantemente, não solicitara nenhuma vez. Perguntei-lhe:

- Este tempo sufocante não lhe provoca sede?

- Professor, rapaz, eu estou bebendo no chuveirinho! – Disse ele com uma postura de esperteza.

“Chuveirinho?” Não me recordava de haver nenhum chuveirinho instalado lá em casa.

- Mostre-me, então, esse chuveirinho!

Saiu todo serelepe a cantarolar. E, com uma entonação e gestos de quem diz: “deixa de ser burro”, objetou:

- É aquele ali, oh!!

- Rapaz, isto aqui é uma ducha higiênica que serve para limpar as partes íntimas e a bunda de quem usa o vaso sanitário.

O auxiliar fez a cara de nojo mais azeda que já vi e, então, contorcendo-se freneticamente, enfiou o dedo garganta a baixo e ficou desmanchando-se em convulsões de vômito.



frase de placa



"Aquele que não pode perdoar destrói a ponte sobre a qual ele mesmo deve passar."

George Herbert

As multifacetadas do casamento I

Recém formado e empregado numa indústria química farmacêutica, responsável pelo setor de engenharia, eu não queria nem saber em formalizações conjugais.

Não raro, no despertar matutino, os colegas, sobraçando violões, estavam a me esperar, pacientemente, para mais um dia gáudio que, rotineiramente, arrastava-se noite adentro. Naquele estágio de vida, tudo pra mim estava perfeito: morava na casa de meus pais, o horário não tinha limite, as mulheres eram conquistadas com relativa facilidade, desenvolvia muito bem a minha função na empresa, tinha um dinheirinho na conta poupança, usufruía a vida com uma tórpida inocência e et cetera e tal.

Casamento? Nem pensar! No entanto, segundo os profetas populares, um dia a roda grande terá que passar por dentro da pequena: sofri um acidente automobilístico. Por ironia da vida, exatamente no período de carnaval. Rei momo, rainha do carnaval e passistas flutuavam nas avenidas, bailes e bares da cidade, adornada com máscaras, elementos geométricos tridimensionais, bandeirolas, plumas, paetês, etc.

As colegas e os colegas não compareceram ao hospital para me visitar. Achei tal atitude compreensível: estavam na grande confraternização coletiva de danças exóticas, insinuantes, provocantes e de entregas mútuas. Não fiquei magoado, mas surpreso com a ausência quase completa deles durante os 18 (dezoito) dias que passei no hospital.

No meu período de internação, fiz uma instigante reflexão sobre o meu glamoroso pretérito e, portanto, resolvi tomar uma decisão: caso eu não morresse, iria, num compactado espaço de tempo, formalizar um casamento.

A solidão e os momentos de angústia ensinaram-me a enxergar o mundo por prismas multifacetados nunca vistos antes.



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