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sexta-feira, 2 de março de 2012

caserna verde: sonho e decepções - final


Depois de nomear todos os “inúteis”, o tenente ordenou:
     - Retirem todos os lixos de vocês de dentro dos armários. Não toquem em nada que não lhes pertença. Um soldado irá acompanhá-los. Depressa, depressa, depressa.
     Saímos, comandados por um soldadinho que só queria ser tenente, em direção aos alojamentos. Depois de recolhermos nossos pertences, sob os gritos estridentes e nada amistosos do soldado, fomos conduzidos em direção à saída do quartel. Determinado momento, inflando vigorosamente as veias do pescoço, berrou:
     - Alto!! Sentem-se no chão, cruzem as pernas e curvem-se sobre elas. Sempre olhando pro chão.
        Inicialmente, parecia fácil cumprir aquela pena. Algum tempo depois, mais dois soldados juntaram-se ao outro que já estava comandando o pelotão. Cada um armado com um FAL (Fuzil Automático Leve). Soltávamos uns sorrisinhos tímidos e, imediatamente, éramos repreendidos pelos sentinelas.  Deveria ser mais ou menos 8h e 30min quando fomos colocados em posição de estátuas naquela pista que nos levaria à liberdade. O sol, impiedosamente, nos focava. A pista, gradativamente, era aquecida. O suor começava, abundantemente, a escorrer pelo corpo. A coluna vertebral começou a acusar dores e desconforto. Quando tentávamos levantar a cabeça, um dos soldados apoiava a coronha da arma em nossas costas e forçávamos para a posição de origem. As risadinhas sumiram. Discretamente observando ao longe, comecei a ver aquelas “poças de água” fumegantes na pista. Silêncio total no pelotão de fantoches. Só os coturnos dos soldados, passeando cadenciadamente entre nós, eram ouvidos exaustivamente. Com o tempo, não pensava mais em quase nada. Só no som das botas dos soldados: de acordo com a distância do som, poderia desviar o olhar para os lados, para não petrificar os olhos. Como não tivemos direito ao café da manhã, o intestino ecoava infeliz. O almoço foi servido para toda a caserna, os nossos sentilenas foram rendidos por outros e nós continuamos na penitência. Desesperadora. Respiração ofegante, suor, fome, dores, pista escaldante e um tratamento como se fossemos bandidos, deixava-me quase a ponto de fraquejar, mas, imediatamente, pensava: se meus colegas suportam, eu também suportarei. Transgredir as ordens naquele momento era cadeia na certa. No mínimo 15 dias.
     Pois bem, entre as 13:00 e 14:00h, chegou um oficial que não se identificou e iniciou, com todos nós na mesma posição, um sermão improvisado e enxertado de palavras duras e impiedosas:
     - Em primeiro lugar gostaria de dizer que aqui vocês nunca existiram e, portanto, não deixarão saudades. Do portão do quartel para fora, esqueçam tudo que vocês viram aqui. O que me deixa indignado é saber  que milhares de jovens desejam servir ao exército brasileiro e, no entanto, vocês, frouxos e covardes traidores, pedem para sair. Aqui dentro, seus miseráveis, vocês tem muito mais do que em suas casas: três refeições, cama, disciplina, roupa, oportunidade de ficar engajado, esporte, etc. No entanto, vocês renegam tudo isso para se tornarem vagabundos. Como vocês são imbecis, vou traduzir: renegar significa recusar. Para a pátria, vocês são escórias. Escória, seus semi-machos analfabetos, significa resto, lixo. Isto mesmo: vocês são o lixo social. Não servem para nada. Ou eu estou engano? Tem algum macho neste bando? Vocês não formam pelotão, mas bando. Hoje, o Exercito Brasileiro fecha as portas para vocês. Nunca comentem que já estiveram aqui, pois nunca foram dignos nem de entrar nesta base. Saíam, traidores, e não olhem para trás: aqui é lugar para homens de caráter e não para maricas como vocês.
     Confesso: internamente chorei. Nunca tinha me sentido tão ofendido e humilhado em minha vida. Afastando-se, o oficial, dirigindo-se aos soldados, ordenou:
     - Conduzam estes voadores até a saída.
     Quando cruzamos, trotando, o portão de saída, gritamos, jogamos as bolsas para cima, pulamos e pronunciamos palavrões impublicáveis. Os oficiais foram xingados até a quarta geração.

20 comentários:

Idiossincrasia Literária disse...

Me senti lá dentro do pelotão, kkkkk
é uma capacidade intrínseca ao bom escritor: fazer o leitor sentir-se.

A VIDA É UM ETERNO APRENDIZADO disse...

Olá!
É com prazer que vou seguir seu blog.Adorei todos os textos.
Grande abraço
se cuida

Anônimo disse...

saudades de vce bos

José María Souza Costa disse...

Vim, lhe trazer o meu Abraço.
Saudades, de voce

Luiz Neves de Castro disse...

O mais importante: Um dos "inúteis" e "vagabundos" tornou-se professor universitário contrariando a hipótese do tal "oficial".
Um abraço fraterno, Antonio

Antonio José Rodrigues disse...

Verdade Luiz. Nunca devemos nos envolver com sugestão orientada. Obrigado

odaleianaeuropa disse...

Prof. Rodrigues, estou aguardando novidades no seu blog.
Adoro ler suas histórias.
Quero ler as novidades timonenses narradas por você.
Aguardo!

umbelarte disse...

Passando para ler as novidades. Adooooro.

Dayse Sene disse...

Fiquei sem fôlego ao ler Caserna Verde!
E que vontade de xingar os soldados também eu tive, pois parecia-me estar vivendo toda a situação narrada.
Parabéns meu querido amigo Antonio, é bem um Dr, na arte de narrar.
Lindo dia.
Grande abraço.

Anônimo disse...

Belo texto como sempre professor.
Desculpe a ausência, nada justificável, porem... findada.
Como tens passado? espero que bem.
Um grande abraço!
Luciene Rroques
http://www.lucienerroques.blogspot.com.br/

António Je. Batalha disse...

Olá , passei pela net encontrei o seu blog e o achei muito bom, li algumas coisas folhe-ei algumas postagens, gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns, e espero que continue se esforçando para sempre fazer o seu melhor, quando encontro bons blogs sempre fico mais um pouco meu nome é: António Batalha. Como sou um homem de Deus deixo-lhe a minha bênção. E que haja muita felicidade e saude em sua vida e em toda a sua casa.
PS. Se desejar seguir o meu blog,Peregrino E Servo, fique á vontade, eu vou retribuir.

Luciene Rroques disse...

Prof. Voce sumiu, tava olhando os comentários pois só vou visitando aqueles mais urgentes pra respo nder, mas de vez enquando vou atras de todos e tava lá o seu, o professor dos contos militares, não esqueço das suas histórias muito boas com toda certeza.
Bom final de semana,
Um grande abraço!

Antonio José Rodrigues disse...

Obrigado, Luciene. Não são contos, mas crônicas. Os fatos narrados são a minha história. Abraços

Luciene Rroques disse...

Serio professor, suas historias são suas mesmo? Achava qe somente aquele que falou do seu filho fosse sua historia. Falnado nisso voceês já estão juntos, ta tudo bem? Mas escuta aqui voce nao inventou esse militarismo todo de suas historias, voce os viveu de fato, eu nao pensava.
Um greande abraço excelente domingo.


Antonio José Rodrigues. Ola prof. um prazer falar contigo, gosto muito dos teus textos militares, parbéns por todos eles.Bom quanto a compra do livro já esta esgotado porem peço que me mande seu email pra gente ver o que faz tá?
Meu email: profebioluciene@hotmail.com
Um grande abraço!

22 de setembro de 2012 19:18

Antonio José Rodrigues disse...

As histórias, Luciene, são verídicas. Vividas por mim. Agora estou mais próximo do meu filho: apenas 240km nos separam. Aguardo reimpressão do livro. Saudações

Dayse Sene disse...

Gosto da sua companhia, estou mudando o meu blog, gostaria de estar com você em meu novo endereço. Passa lá.
Beijos
http://construir.daysesene.com/

Luciene Rroques disse...

Professor Um feliz natal e um excelente ano novo.
Um grande abraço!

umbelarte disse...

Parabéns pelo livro. Sucesso. Você merece

CHIICO MIGUEL disse...

Conto bem escrito, emocionante. Fico com ele para lembrar de uma caserna que nunca sofri. Minha carteira é de terceira categoria. E ainda achei bastante boa essa categoria. Tenho tirado primeiros lugares em concurso de contos e crônicas. Acho que o seu tiraria, se você se abalançasse a concorrer os concursos que fazem por aí.
abraços
francisco miguel de moura

Antonio Porpetta disse...

Me gustan sus textos y la estructura general de su blog. Un cordial abrazo desde Madrid.

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