sala VIP

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Caserna verde: sonho e decepções VI

Ao som estridente de uma corneta, às 6h, fomos acordados. Com arrogância e imperativismo, um recruta estipulou o tempo para tomarmos banho e, em seguida, apresentarmos perfilados em pelotões. Correria e empurra-empurra generalizados. Vários recrutas, que já conheciam as normas do quartel, ficavam a sorrir: fizeram todo o ritual antes do toque da corneta. Alguns ocupavam o banheiro por uma eternidade, então os palavrões de ofensas, ditos por quem estava a esperar, eram canalizados pelos corredores. Gritaria, algazarra, descargas dos banheiros em cascatas ecoavam, o bater e fechar de portas metálicas dos armários, cantores de chuuveiros com mixagens de ferir os tímpanos, o recruta esbravejando palavras impublicáveis e um odor forte de suor, fezes e xixi transformavam o local num liquidificar sonoro ensurdecedor e purgatorial. Depois de toda a celeuma e quando já estávamos formando os pelotões, fomos chamados de volta ao vestiário: alguém fez uma denúncia de furto de seus pertences. Um colérico, enérgico, amargo e impositivo tenente nos recebeu, então, de uma forma não muito amistosa. Ao lado do recruta supostamente furtado, esbravejou:

- Silêncio seus voadores!!!!

Eu não estava entendo nada: tudo para mim, naquele manicômio multifacetado, fazia parte da lavagem cerebral batizada de treinamento. Continuou, portanto:

- Falarei, pela primeira e última vez, estas palavras para vocês: aqui dentro nós estamos formando homens de caráter e não bandidos. Vamos libertar vocês das mentes retardadas, medíocres e contaminadas educacionalmente que trouxeram de suas casas – cuspiu com uma cara de nojo. Aqui não era para existir chave em armário, mas, por uma questão de privacidade, cada um de vocês foi contemplado com armário particular. Se é particular, voadores de merda, vocês só podem manipular os seus próprios objetos. Tristemente, recebi uma denúncia de furto, portanto vou contar até dez para vocês abrirem os armários e conferirem se há algo que não lhes pertence. Depois do tempo, caso os objetos deste caga-pau ainda não tenha aparecido, então, pessoalmente, vou abrir armário por armário. Ai daquele que eu encontrar com os pertences deste voador – disse olhando de soslaio para o recruta denunciante ao seu lado.

O tenente virou as costas e, lentamente caminhando com as mãos para trás pelo corredor, começou:

- UM.

Eu sabia que não tinha me apoderado ilicitamente de nada de ninguém, mas corria o risco de encontrar algo no meu armário: um mal intencionado, com o intuito de incriminar e manchar a reputação de outro, poderia ter fabricado provas. Saímos desesperados em direção aos armários. Em tom grave, ouvi:

- DOIS.

 
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