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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Parada de ônibus

O ônibus demorava. A paciência remoía, pouco a pouco, a minha tolerância. Meus olhos, boiando febris por trás das pálpebras, foram de encontro com a cena esmaecida da cidade em movimento.

Tudo parecia uma tela animada: as pessoas, que a todo momento davam um novo realce à paisagem, eram as artistas e, simultaneamente, personagens. Os ônibus estancavam diante da parada, e, quase irracionalmente, o povo avançava, no maior esbaforido do "salve-se quem puder", rumo às portinholas - dava-me a impressão que, os monstrenguinhos de átomos fundidos, iam ser despedaçados. O meu corpo, indiferente e quase abandonado pelos sentidos, estava colocado numa parte daquela aquarela viva e sem moldura. Eu respirava gás carbônico - cuspido pelos canos de descargas dos carros. Ninguém me via, pois a preocupação de cada um era chegar no seu mocambo. Ninguém me via, mas eu via a todos; inclusive uma mocinha que, comprimindo com os dedos o gradeado tubiforme, de extremidade pontiaguda, da Praça da Bandeira, chorava disfarçada. Por quê ela chorava? Por quê aquele olhar perdido entre as árvores da Praça? Teria morrido algum parente dela? Alguma pessoa que, quem sabe, tinha esperado ônibus ali com ela!?...

Pensei, demoradamente, fixando a rua, nas pessoas que, com certeza, já tinham ficado naquele mesmo lugar em que eu estava... pessoas que já não mais existem. Pessoas que sofreram momentos de ansiedade esperando ônibus; que correram atrás da felicidade; que sonharam com um futuro tranquilo e, lastimavelmente, morreram na miséria. O meu pensamento foi atrofiado por um empurrão que recebi nas costas... foi uma senhoraque passou correndo em direção ao Troca-Troca (galpão de se vender bugingangas na Av. Maranhão - Teresina).

O ônibus! Finalmente, o ônibus! Parado na calçada - que se estende por todo o perímetro da Praça - levantei, desordenadamente, o braço (mão espalmada no ar) pedindo parada. Entrei e fiquei espremido pelos passageiros frustrados que me fixavam. Tive medo, e, paulatinamente, saudades de minha cidade - Floriano, pois, lá eu não ando empurrado por mãos suadas de passageiros neuróticos.

O ônibus começou a escoar pelo asfalto quando, de súbito, lembrei-me da mocinha - que foi ficando pequena aos meus olhos. Continuava ela no mesmo local, no mesmo choro abafado, na mesma solidão...

Os olhares, sem saberem se veriam o próximo dia, cruzavam-se dentro do ônibus. Era por isso que eu queria ter dado um "tchau" para aquela mocinha...

Mas o ônibus seguia a rota dele, e, na curva da rua, eu perdi de vista o meu cenário.


Publicado no jornal Folha do Piauí. Teresina (PI), 10 de junho de 1985.
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