sala VIP

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

vida de professor



Não há caixas eletrônicos distribuídos em locais estratégicos (lojas de conveniências, postos, farmácias, supermercados, etc.) na cidade de Zé Doca (MA). Os caixas ficam confinados dentro das próprias agências bancárias. No Banco do Brasil, por exemplo, às vezes, somente dois caixas estão em operação. Longas e cansativas filas são formadas.
Pois bem, certo dia, depois que freqüentei uma exaustiva fila, comecei a acessar os meus dados. Inconvenientemente, uma jovem, cuja respiração quente eu sentia no meu braço, posicionou-se curvada para frente e, com uma dicção irritante oscilando entre a de Marina Silva (política brasileira) e a do pato Donald, ordenava-me: “coloque o cartão”, “retire o cartão”, “digite a senha”, “coloque o cartão”, et cetera e tal. Determinado momento, parei e, calmamente, perguntei-lhe:
- Você é comentarista deste caixa?
- Não!
- Você é secretaria eletrônica?
- Não!
- Então, por favor, deixe-me, reservadamente, concluir esta transferência.
A jovem, sentindo-se ofendida, batendo com o pé no chão e com um olhar de desdém fixado num ponto qualquer, disse:
- Vejam como são as pessoas ignorantes, mal educadas e que não sabem de nada: a gente vai ajudar e elas ainda ficam com piadinhas!

Frase de placa



"A simplicidade é o último degrau da sabedoria."
Kalil Gibran

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

As multifacetadas do casamento VI


Numa tarde fracionada compulsivamente pelos ponteiros do relógio, eu sentia o sabor acre de antibióticos, no ritmo da respiração ofegante, subindo e descendo pela garganta inflamada.

No silêncio curioso e misterioso do apartamento lenitivo e sem esperança, entreguei-me, na tentativa de escapar da dor, a uma furtiva viagem mental metafísica, cujo destino seria um ponto de fuga qualquer onde a angústia não me alcançasse. No mesmo momento, no corredor do hospital, um conselho relâmpago, formado para decidir sobre a proposta do médico de reabrir a minha cirurgia, cruzava idéias, informações e riscos. Como o médico já tinha dito sem eufemismo que eu não resistiria uma viagem até Teresina, o grupo, constituído por Inácio, Jorge Laurentino e minha mãe, o autorizou a reabrir-me, isentando-o, portanto, de qualquer resultado imprevisível que pudesse ocorrer.

Na verdade, segundo viria declarar mais tarde para Inácio, iria reabrir-me somente como justificativa para a minha família que não me deixou morrer à míngua, pois não tinha nenhuma esperança de salvar-me. Acrescentou, também, que na primeira intervenção cirúrgica eu escapara por milagre.

Os resultados dos rotineiros exames (sangue, fezes e urina) solicitados pelo médico tinham acabado de chegar. O centro cirúrgico já estava sendo preparado. Como na primeira vez, a qualquer momento a enfermeira entraria com um aparelho para depilar-me. Numa forma de descontração da tensão pré-cirúrgica, olharia para o meu pênis e balançaria negativamente a cabeça. E eu ficaria sem entender a mensagem, no entanto deixaria um olhar lascinante passear suavemente sobre o corpo dela, e, portanto, com um riso mastigado no canto da boca, repreender-me-ia: “Fique com esse olhar de tarado mal resolvido que eu faço é te castrar, Bem no tronco.” Eu sorriria e ficaria só olhando-a repuxar o meu pênis de um lado para o outro enquanto rasparia os pelos pubianos. Depois, eu soube que ela era irmã da namorada de Inácio. Quiçá se explique a espontaneidade com que ela me tratava. Ele nunca me disse, mas acho que Inácio pediu que ela me desse uma especial atenção.

O ritual pré-cirúrgico seria similar ao primeiro: depois de me vestirem de branco, colocar-me-iam numa maca crepitante e, então, um auxiliar de enfermagem a empurraria pelo corredor do hospital, onde a minha mãe, cheia de incertezas nos olhos, acenar-me-ia; em seguida, só barulhos de portas abafados pelos choros velados das dobradiças, que faziam a minha alma tremer de pavor. O centro cirúrgico, abarrotado de metais brilhantes, luzes intensas e uma parafernália clínica que eu não conhecia, estaria impecavelmente organizado. Num canto qualquer, assistindo ao programa “Fantástico” da Rede Globo, na maior tranqüilidade do mundo, encontrar-se-iam dois médicos, o cirurgião e o anestesista. Como naquele dia a cirurgia seria mais cedo, deveriam estar assistindo a algum programa de auditório, talvez. O anestesista, discutindo política com o cirurgião, prepararia uma seringa com um líquido qualquer e, dirigindo-se para mim, começaria um diálogo fútil. Ao injetar o líquido no meu corpo, pediria para que eu relatasse como ocorrera o acidente. Instantaneamente, eu sofreria um apagão mental e, caso não morresse, seria, mais uma vez, conduzido sincopado ao apartamento, cujo número foi subtraído da minha memória.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

vida de professor


O Instituto Federal do Maranhão, campus Zé Doca, comprou da empresa “De Lorenzo do Brasil” uma mini-usina de processamento de biodiesel. A empresa, situada em São Paulo, enviou um técnico, William, para entregar a planta (máquina). Como engenheiro mecânico do campus, eu acompanharia cuidadosamente todo o processo de compra/entrega, pois teria que emitir um parecer técnico para a procuradoria do instituto relatando se a planta estava de acordo com as especificações estipuladas no pregão.

O primeiro encontro com o técnico foi meio amistoso, mas carregado de reservas, de ambas as partes. De quando em vez, ele sacava uma “novidade” como, por exemplo, um mini-mouse, uma mini-balança, etc., e, então, perguntava-me: “Você conhece isto?” Eu apenas dizia sim e ficava me sentindo um jeca que troca ouro por espelhos.

O comportamento do técnico não era de quem estava num instituto tecnológico, mas numa aldeia isolada da civilização. Apresentava-se cheio de nove horas e coisa e tal; falava arrastando excessivamente algumas consoantes e contaminava o diálogo com gírias. Eu ficava só avaliando a ficha dele. Certo momento, ele subiu numa escada para abastecer o reservatório de recebimento de óleo. Lá em cima, encontrou uma aranha e, sem que eu conseguisse entender as suas intenções, interrogou-me:

- Esta aranha voa?

Por impulso, respondi:

- As aranhas de São Paulo, sim. As coitadinhas do Nordeste ainda não conseguiram evoluir.

O cara congelou os movimentos e, olhando-me de soslaio, calou-se. A fisionomia fechada dele dizia: “Este capiau babaca me ferrou.”


Frase de placa



"Não faça da tua vida um rascunho. Poderás não ter tempo de passá-la a limpo."

Mário Quintana
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