sala VIP

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

vida de professor



Eu estava num barzinho saboreando frases de bêbados e, paralelamente, gastando os últimos dias de férias que me restavam naquele ano quando, com a cara inchada e parecida com uma bola de sopro, chegou um bêbado louco pra “quebrar uma” (gíria local dos esportistas do copo quando vão tomar uma dose de cachaça), mas estava desprovido economicamente, isto é, duro, liso, quebrado, etc.
Para participar do papo etílico que se arrastava de mesa em mesa, começou a contar uma estória ou história (sei lá) que, certa feita, alguém o tinha empurrado de cima de um caminhão em movimento. Meio curioso com a estória (história), um colega nosso perguntou-lhe, referindo-se à sua estrutura óssea:
- Não quebrou nada?
E o bêbado, achando que uma dose de cachaça estava sendo oferecida, retrucou:
- Só se você pagar uma pra mim!

frase de placa


"Amizades são coisas frágeis, e requerem muito mais cuidados que todas as outras coisas frágeis que existem."
Randolph S. Bourne

As multifacetadas do casamento II



As paredes verde-encardido do apartamento do hospital emolduravam-me a longos e vazios períodos de espera, silêncio, tensão e expectativa. Como uma estátua, o meu corpo, com todos os movimentos anestesiados, mostrava-se indiferente à dinâmica pulsante da vida.
Pessoas que, inexplicavelmente, eu tinha uma ojeriza repulsiva, antes do acidente automobilístico que sofri, estavam a visitar-me diariamente, enquanto que as consideradas colegas, na maioria abissal, nunca compareceram nem para perguntar como eu estava reagindo aos medicamentos. Eu não necessitava de comiseração, mas de oníricos bate-papos que emplacávamos madrugada adentro nos tempos de folgança. Não fiquei ressentido, mas introspectivo e crítico do comportamento humano. Praticamente, no apartamento sombrio do hospital, a minha mãe tornou-se enfermeira, médica, visitante, acompanhante e conselheira.
Na época, refleti: biologicamente, a tendência é o envelhecimento e, portanto, a incontestável morte dos progenitores de um indivíduo; os irmãos, geralmente, se casam e, então, para não viver no ostracismo familiar, o indivíduo necessita formalizar a sua célula social que, no futuro, sofrerá mitose geradora de novos indivíduos – disseminadores da história dos ancestrais.
Entendi que o medo da solidão é o maior aliado do casamento. A solidão transformou-me psicologicamente. No grande teatro da vida, vi vários “fantoches” de representações cênicas impecáveis. “Fantoches”, sem vida na minha história, capturados em preto e banco por uma enferma retina apertada por pálpebra inflamada. Registro que deixei no arquivo do tempo para ser destruído por traças da indiferença.
Não é, afirmo, uma atitude de revolta, mas uma tentativa de corrigir, sem afobação, os meus passos desordenados em direção ao infinito. Quiçá, ao nada ou a um metafísico buraco negro.

sábado, 14 de agosto de 2010

vida de professor


Contratei um pedreiro para revestir umas colunas com cimento e, também, fazer algumas derivações na rede hidráulica de minha casa.

Ao apertar da tarde angustiante e de sol reluzente, percebi que somente o pedreiro tinha, durante várias vezes, solicitado água para beber. O seu auxiliar, intrigantemente, não solicitara nenhuma vez. Perguntei-lhe:

- Este tempo sufocante não lhe provoca sede?

- Professor, rapaz, eu estou bebendo no chuveirinho! – Disse ele com uma postura de esperteza.

“Chuveirinho?” Não me recordava de haver nenhum chuveirinho instalado lá em casa.

- Mostre-me, então, esse chuveirinho!

Saiu todo serelepe a cantarolar. E, com uma entonação e gestos de quem diz: “deixa de ser burro”, objetou:

- É aquele ali, oh!!

- Rapaz, isto aqui é uma ducha higiênica que serve para limpar as partes íntimas e a bunda de quem usa o vaso sanitário.

O auxiliar fez a cara de nojo mais azeda que já vi e, então, contorcendo-se freneticamente, enfiou o dedo garganta a baixo e ficou desmanchando-se em convulsões de vômito.



frase de placa



"Aquele que não pode perdoar destrói a ponte sobre a qual ele mesmo deve passar."

George Herbert

As multifacetadas do casamento I

Recém formado e empregado numa indústria química farmacêutica, responsável pelo setor de engenharia, eu não queria nem saber em formalizações conjugais.

Não raro, no despertar matutino, os colegas, sobraçando violões, estavam a me esperar, pacientemente, para mais um dia gáudio que, rotineiramente, arrastava-se noite adentro. Naquele estágio de vida, tudo pra mim estava perfeito: morava na casa de meus pais, o horário não tinha limite, as mulheres eram conquistadas com relativa facilidade, desenvolvia muito bem a minha função na empresa, tinha um dinheirinho na conta poupança, usufruía a vida com uma tórpida inocência e et cetera e tal.

Casamento? Nem pensar! No entanto, segundo os profetas populares, um dia a roda grande terá que passar por dentro da pequena: sofri um acidente automobilístico. Por ironia da vida, exatamente no período de carnaval. Rei momo, rainha do carnaval e passistas flutuavam nas avenidas, bailes e bares da cidade, adornada com máscaras, elementos geométricos tridimensionais, bandeirolas, plumas, paetês, etc.

As colegas e os colegas não compareceram ao hospital para me visitar. Achei tal atitude compreensível: estavam na grande confraternização coletiva de danças exóticas, insinuantes, provocantes e de entregas mútuas. Não fiquei magoado, mas surpreso com a ausência quase completa deles durante os 18 (dezoito) dias que passei no hospital.

No meu período de internação, fiz uma instigante reflexão sobre o meu glamoroso pretérito e, portanto, resolvi tomar uma decisão: caso eu não morresse, iria, num compactado espaço de tempo, formalizar um casamento.

A solidão e os momentos de angústia ensinaram-me a enxergar o mundo por prismas multifacetados nunca vistos antes.



domingo, 1 de agosto de 2010

vida de professor

O Instituto Federal do Maranhão, quando fui aprovado em 2009, exigiu-me um leque de exames médicos e, também, um atestado de sanidade mental.
Em Floriano (PI), fui consultar-me, portanto, com um psiquiatra. Paguei setenta reais pela consulta, esperei mais de uma hora na ante-sala da secretária e, então, chamaram-me.
Quando entrei, o médico digitava um texto qualquer. Sem me olhar, pediu que eu sentasse. De chofre, perguntou-me:
- Você já jogou pedra na lua?
- Que eu me lembre, não!
- Alguém de sua família já jogou pedra na lua?
- Que eu saiba, não!
O médico, olhando-me com um sorrisinho sarcástico no canto da boca, continuou:
- Você já rasgou dinheiro?
Naquele momento, resolvi entrar no diálogo dele:
- Terminei de rasgar setenta paus sobre a mesa de sua secretária.
O médico desconversou sorrindo:
- Esse aí você não rasgou: ele foi muito bem aplicado!
- Pro senhor, uma boa aplicação, mas pra mim, um rombo na conta bancária.
A conversa ficou mais descontraída, então ele provocou-me:
- Já comeu merda?
- Sabe doutor, nunca comi e, hoje, acho que não comerei: cursei dois cursos de ciências exatas – Engenharia na UFPB de João Pessoa e Matemática no IFPI – e nunca tive vontade de degustá-la. Acho que já estou imune desse ato.
Quando o médico soube que eu tinha feito Engenharia na UFPB, começou a falar que tinha estudado em Pernambuco e, então, contou-me várias histórias saudosistas da sua época de estudante. O atestado já estava impresso, mas ele não o assinava. Conversava. Conversava. Quando eu saí da sala dele e já estava na ante-sala da secretária, continuou mostrando-me fotos de sua formatura esmaecidas pelo tempo nas paredes do consultório. Conversava animado. Nem ligava para a grande quantidade de pacientes que o esperava. Eu correspondia o diálogo procurando vocábulos rebuscados para dar elegância às frases.
Naquele dia, fiquei com uma impressão de que o doutor estava se sentindo solitário e, portanto, tive vontade de pedir meus setenta reais de volta, pois achei que, no epílogo da história, a consulta foi benéfica exclusivamente para ele: bateu um bom papo e subtraiu meus reais.


frase de placa



"A vida é mais simples do que a gente pensa: basta aceitar o impossível, dispensar o indispensável e suportar o intolerável."

Kathleen Norris

Refém de senhas

Estive, no mês de julho de 2010, visitando a cidade de Floriano (PI). Fui ver o meu filho e, também, os meus familiares – pai, mãe, irmãos, etc.
Ao resolver um problema particular no Banco do Brasil, o auxiliar bancário exigiu-me o contracheque. Eu não tinha nenhum contracheque: deixara em Zé Doca (MA), cidade onde hoje trabalho. Lembrei-me de imprimi-lo via internet, mas a senha eu também esquecera e só estava registrada na minha agenda que ficara na cidade maranhense. Naquele momento, percebi o quanto sou refém de senhas nas mais variadas situações do cotidiano virtual: conta bancária, email, blogger, Orkut, twitter, siape, lojas de departamentos virtuais, celular, notebook, geovisite, MSN, et cetera e tal.
Não tenho mais uma identidade única, mas dígitos, letras, apelidos, passes, login, senha e o diabo-a-quatro. E o computador fica minando a minha paciência: “Digite a identificação única, digite seu número de usuário, digite sua senha.” Depois de ter concluído o primeiro e o segundo passo e já ter digitado 13 (treze) números da senha, o computador provoca-me:”A senha não confere. Você ainda tem duas tentativas.” E eu começo a ficar nervoso. Confiro tudo. Insisto. Tento novamente e, então, no topo da tela surge uma mensagem automática e fria como quem a digitou: ”Boa tarde, Fulano.” Uma “educação” mecânica que sempre ficará sem resposta.
Certo dia, freqüentei uma fila em um determinado banco que me consumiu os nervos e duas horas do meu tempo. Uma fila semi-estática de pessoas sisudas e de movimentos automáticos previsíveis. Uma fila cansativa: a maioria das pessoas entra em conflito com a máquina e, depois de muito tempo, terminam com os cartões bloqueados – a máquina sempre tem razão. Pois bem, depois de esperar intragáveis duas horas, ao chegar no caixa eletrônico, esqueci a maldita senha de acesso. Baldeei a memória, rastreei o pretérito, mas nada. Malditas senhas. Encabulado, saí da fila e fiquei remoendo furtivos vocábulos, que ficaram indefinidamente sendo refletidas nas paredes internas do meu crânio – caixa acústica de palavras impronunciáveis.
Gostaria que a identificação biométrica, apesar de facilitar a criminalidade, fosse popularizada, pois não tenho mais nenhum megabyte para memorizar senhas.
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