sala VIP

terça-feira, 18 de maio de 2010

É preciso saber viver


No período em que eu estudava Engenharia Mecânica em João Pessoa (PB), alguns ônibus coletivos urbanos, com o objetivo de aumentar o espaço interno para acomodar mais pessoas em pé, tinham poltronas colocadas perpendicularmente às fileiras convencionais, de tal forma que o passageiro ficava na mesma direção que se posicionava o cobrador e, portanto, tinha uma visão holística privilegiada do interior do veículo.
Numa certa madrugada, tomei, praticamente vazio, um determinado ônibus e, automaticamente, sentei-me numa das poltronas não convencionais. Eu estava distraído, no entanto, quando levantei o olhar, vi um rapaz, cuidadosamente, subtraindo uma bolsa de uma senhora que estava ligeiramente sentada na frente dele. Olhei para o cobrador, mas ele estava curvado para frente e cochilava preguiçosamente sobre a gaveta do dinheiro. No momento, por um ímpeto natural, tive vontade de gritar e, portanto, alertar aos poucos passageiros sobre o que estava ocorrendo, no entanto, o batedor de carteira, observando a minha inquietação, continuou “trabalhando” com uma das mãos e, com a outra, colocou o dedo em riste perpendicular aos lábios, fazendo o gesto de “calado”, “silêncio”, “bico fechado”, etc. Baixei a cabeça e fiquei a contemplar, nervosamente, o assoalho do carro. Quando desci na minha parada não vi mais o assaltante nem a mulher.
Mais ou menos seis meses se passaram. Fui a uma festa de Yemanjá, a rainha do mar, na Avenida Beira Rio, em João Pessoa. De chofre, encontrei-me dentro de uma muralha humana formada por um grupo de jovens de aparências nada amistosas. Um deles, com os dedos em forma de arma, tocou-me o peito e, com uma voz toda peculiar da malandragem, disse-me:
- Negão, tu sabe viver!
Não entendi nada. Como ele percebeu que eu estava completamente embaraçado, deu-me uma crucial dica:
- Lembra-se do ônibus? E da carteira da mulher?
De imediato, anestesiado pela surpresa, fiquei todo trêmulo e minha alma se contraiu dentro do corpo de tal forma que quase me estatelei no chão de tanta fraqueza que eu sentia. Fiquei apalermado olhando pro cara e sem ânimo para pronunciar uma palavra se quer.
Ele disse:
- Continue assim que você vai longe. Não se meta onde não te cabe!
O grupo se afastou e eu tentei marcar passos, mas as pernas cambalearam sem firmeza e, portanto, arriei-me sobre a areia. Contemplando o embalo periódico do mar, pensei: “Um assaltante me dando a vida como lição e, portanto, uma lição de vida”.
Embora distorcida, mas era uma lição.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...