sala VIP

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Caserna verde: sonho e decepções IX

Fomos submetidos a mais uma triagem: exames médicos e testes físicos. Saímos, os aprovados, com um corte de cabelo à militar. Continuávamos, para a caserna, anônimos. Éramos apenas adjetivos depreciativos; fantoches de zombarias. Numa tarde escaldante picoense de corar até a alma, fomos convocados, no pátio do quartel, para mais uma entrevista. Por trás de uma mesa e desconfortavelmente acomodado, sob a sombra de uma árvore, um tenente ordenou que me aproximasse. Bati continência e, em tom de voz militar, falei o jargão de submissão:

- Sim, senhor!

Continuou cabisbaixo como se não me visse. Com um olhar inexpressível, disse-me:

- Sente-se, soldado!

Senti-me mais confortável: era a primeira vez que alguém, dentro daquela fábrica de estresse, chamava-me de soldado. Fiquei, não nego, até orgulhoso. Confirmou meus dados, declinou sobre alguns ex-soldados florianenses que tinham deixado saudades no quartel, fez várias perguntas de cunho particular, ponderou minhas respostas, escreveu algumas observações e, depois de uma prolongada reflexão, ordenou que eu retornasse ao pelotão. Depois de todas as entrevistas, no fechar do dia, retornamos aos alojamentos.

O toque estridente da corneta fazia o dia amanhecer preguiçosamente. Como de praxe, corríamos cambaleantes para os banheiros. Celeuma geral e muitas coisas impublicáveis pronunciadas. Ao formarmos o pelotão, um tenente, com uma expressão acerba no rosto, disse-nos:

- Estou aqui com uma relação de nomes de uns “caga-paus” que não são dignos de estarem aqui dentro. Não são e nem querem ser homens. São uns veste calças que envergonham a própria pátria. Aqui dentro vocês não terão direito a mais nada, nem ao café da manhã.

Depois de um sermão carregado de ira, humilhações e revolta, o tenente começou a nomear, em ordem alfabética, os “inúteis”. Em pouco tempo, ouvi:

- Antonio Jose Rodrigues da Silva.

Uma bola de ar, como se estivesse sólida, desceu arranhando a minha garganta. Alívio e decepção misturaram-se indissoluvelmente no meu âmago. Alívio por ter sido dispensado; decepção por me sentir um trapo imprestável, segundo o discurso flamejado do tenente. Nem imaginava que, antes de deixar o quartel, o pior ainda viria.

3 comentários:

JAIR FEITOSA disse...

Olá AJRS.

Até que ponto tudo isso pode tornar alguém num "homem"? Que tipo de homem se faz ali? Cara, tu aguentou muito. Eu não "servi" ao Exército, nunca achei que passar por aquilo fosse me tornar um ser humano melhor.

Um abraço.

Jair Feitosa.

José María Souza Costa disse...

Antonio, estava com saudades, de voce e de lê os seus textos. Estou cá, para lhe desejar uma Noite de Natal Harmoniosa, Santa e agradavel.
Felicidades, sempre

Flávia disse...

Em primeiro lugar, parabéns pelo blog. Rico e muito bem escrito.

Em segundo, acabei achando seu espaço através da Samara Bassi, do blog "Vou te Contar", mas por um motivo triste: um texto de minha autoria que encontrei plagiado por ela, como você pode conferir comparando a postagem "Bem da Vida" (http://shimariah.blogspot.com/2011/03/bem-da-vida.html) com meu texto "Caminho", em http://sabe-de-uma-coisa.blogspot.com/2008/06/bailarina.html. Vim te contar a verdade por ter percebido, nos comentários, que você foi uma das pessoas enganadas por ela. E para que fique atento para essas infelicidades que acontecem e que, infelizmente, não poupam ninguém.

Meu abraço.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...