sala VIP

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

As multifacetadas do casamento VII



A minha vida oscilava senoidalmente entre o meu corpo e o eterno infinito. Eu já estava quase entregue ao fado, mas, para continuar pingando esperança na vida, preferi acreditar que a reabertura da cirurgia devolver-me-ia para dirigir, em aleatórios cenários reais, mais algumas cenas de minha história.
No apartamento hospitalar, naquele momento, encontravam-se comigo o professor Pedro e Inácio. A minha cirurgia estava marcada para 17 horas. Exatamente, às 16 horas e 30 minutos, sem nenhuma convicção, mas, como se alguém estivesse passando lentamente, em movimentos circulares, algo frio sobre meu abdômen, senti um leve estremecer na barriga e, portanto, pedi que me levassem ao banheiro. Imediatamente, uma fedentina invadiu o quarto. Nem liguei, pois senti um conforto físico e uma paz de espírito indescritíveis. Saí do banheiro meio que flutuando, pois uma leveza insustentável dominava o meu ser. Translucidamente, percebi os colegas, com as fisionomias trancadas, apertando, em desespero, as narinas. Finalmente, eu estava livre da tresloucada dor. O professor Pedro, fazendo humor com a situação, mais tarde me diria: “Eita, negão, tu escapou por uma cagada!” Eu também repaginei o lado cômico do cérebro e respondi: “É melhor escapar assim, professor, do que morrer entupido.”
Nenhum medicamento foi suspenso. A assiduidade da enfermeira continuava implacável. Eu não sentia mais a dor que separava, paulatinamente, o meu corpo da alma, mas agudas dores na barriga que, com o passar dos segundos, adormeciam formigando. Às vezes, dava-me a impressão que havia alguma pinça cirúrgica atravessada no meu intestino. Assim, como se a gente pegasse duas partes de um ferimento e tentasse fechá-lo.
O médico adentrou o apartamento, fez-me umas perguntas rotineiras e, então, determinou: “Amanhã, às 9 horas, você pode ir para casa!” Euforia geral que, no dia seguinte, seria abafada por uma sinistra notícia. Euforia lacônica.
Pouco antes de minha saída do hospital, o médico, sem figuras de linguagem que amenizasse o diálogo, sem comiseração, profetizou: “Sua vida, rapaz, praticamente se acabou. Sendo otimista, acho que você só viverá, no máximo, cinqüenta por cento do que você viveria se não tivesse sofrido o acidente. Você, rapaz, praticamente vai vegetar, pois não poderá mais trabalhar, correr, beber álcool, fumar e nem fazer sexo. Pro resto de seus dias, tomará fortes medicamentos e, portanto, ao sair daqui passe em alguma farmácia e compre estes antibióticos.” Enquanto o médico pacientemente falava e batia levemente o fundo de uma caneta sobre uma mesa, eu comecei a ficar comprimido pela tristeza. O meu coração se contraiu juntamente com a minha alma. O meu corpo se fechou e, de chofre, uma esperança inabalável serviu de anteparo reflexivo contra as frases negativas proferidas por ele e, então, pensei: “O difícil era eu sobreviver a tudo que passei. Depois que me libertei da dor, doutor, voltarei a viver. Você está enganado!” Não disse nada. Apenas, pensei. Paulatinamente, minha fisionomia foi ficando iluminada e eu pude, inclusive, sentir um sorrisinho fugidio descendo sorrateiramente pelos cantos da boca. Interiormente, o momento tornou-se desafiante e jocoso pra mim. Era mais um empecilho que eu deveria superar na vida. Às vezes, o médico se acha semideus e, encarapitado no seu trono de divindade, decreta o apocalipse de indivíduos.
Ele estendeu-me uma receita em escrita rupestre, onde se destacavam quatro tipos de medicamentos. Levantou-se e, como se me ignorasse, disse: “Qualquer coisa, o meu telefone particular está anotado aí no verso.” Depois de ler a receita, respirei profundamente e, logo, comecei a planejar os meus próximos passos.

23 comentários:

Kátia Nascimento disse...

Vc domina muito bem as palavras.Um excelente escritor.
Um lindo final de semana!!
Beijos!!

Jorge Jansen disse...

Caro AJ
O que mais dói na leitura do seu texto é o trecho: "Você, rapaz, praticamente vai vegetar, pois não poderá mais trabalhar, correr, beber álcool, fumar e nem fazer sexo."
Dá vontade de dizer ao Dr.: "Aplica logo uma injeção letal!"

Antonio José Rodrigues disse...

KÁTIA, vou terminar ficando vaidoso: acredito muito no bom senso feminino. Obrigado. Beijos.


JORGE, se o indivíduo for fraco num momento desse, não necessita nem de injeção letal, pois o impacto da notícia é suficiente para matá-lo. Abraços

Ira Buscacio disse...

Antônio,

Que simpático esse médico! Será que tem mãe?

Adoro seus textos!
Continuemos...
Bjocas e boa semana

Antonio José Rodrigues disse...

IRA
Pois é, Ira, quando a gente entra num hospital público passa a ter o nome de paciente. A única coisa que nos resta é ter paciência. Beijos tropicais

Antonio José Rodrigues disse...

ANA
Obrigado. Volte sempre. Beijos

Ana Luiza F. disse...

Bem... a Ruiva (do Bar...) veio até aqui agradecer a visita, as palavras carinhosas e também avisá-lo que ja mandei reservar uma mesa que tem até plaquinha com teu nome. Isto pra nenhum gavião tomar teu lugar. Sério: del´ci de texto! Dei uma passadinha rápida e li também o do caixa eletrônico qu não tem secretária eletronica - simplesmente bárbaro. Leitura muito leve, Antonio. Parabéns!!! Volte ao Bar..., quando quiser, viu? Será um prazer te receber por lá. Um abração.

Antonio José Rodrigues disse...

Obrigado, Ana, pelo crédito. Meu coquetel preferido é boa história/poema. Beijos

Laís Araújo disse...

Oi,desculpa vim aqui fazer propaganda de algo,mas eu estou fazendo uma campanha no meu blog e gostaria q vc participasse é sobre exploração infantil ve esse post lá... Percibir q ao colocar esse post como causa social muita gente nem ligou mais ao colocar um falando de coisas rotineras,nossa! Então entre nessa causa e seja solidario!

Beijos

http://lais0111.blogspot.com/2010/10/um-gesto-de-carinho.html#comments

Kátia Nascimento disse...

Olá amigo!!
Estou participando de uma campanha no blog,se tiver um tempinho, passa lá pra ver... Beijos!!!!
Uma ótima semana!!!

Laís Araújo disse...

O selo ficou ótimo!!!

Ana Luiza F. disse...

PASSANDO PRA DESEJAR UMA ÓTIMA QUARTA. ABRAÇÃO

Antonio José Rodrigues disse...

Obrigado, Ana. Beijos

JAIR FEITOSA disse...

Olá AJRS.

Já pensou: Antonio José Rodrigues da Silva, um vegetal. Ainda bem que os conhecimentos científicos de um número de médicos daqui são como você tem demonstrado vivendo além daquilo que diagnosticaram, um fracasso.

Vegetal, não. Um forte, um rei. Vida longa ao rei. Pois precisamos dá cabo das cervejas que existem nesse mundo de vegetais.

Um abraço.

Jair Feitosa.

Antonio José Rodrigues disse...

Por falar em cerveja, Jair, no dia 20 deste pretendo estar em Floriano. Precisamos colocar os fuxicos em dia, cara. Há tempos que não conversamos. Abraços do vegetal

Antonia Farias disse...

Olá,Antonio!Obrigada pela visita e pelo comentário.Paz e felicidades.Beijo.

Antonio José Rodrigues disse...

Obrigado, Tonha. Volte sempre. Beijos

Sonia Parmigiano disse...

Antonio,

Ótima postagem!!!

Grata pela visita e te desejo um bom final de semana!!

beijos,

Reggina Moon

Sonia Parmigiano disse...

Antonio,

Passando para desejar uma boa tarde....

Visite:

Verso & Prosa Poemas
www.versoeprosapoemas.blogspot.com

Reggina Moon

Penélope disse...

Antonio,você prova que de medicina os médicos não entendem nada.
Muito bom texto.
Abraço

Antonio José Rodrigues disse...

REGGINA, obrigado. Visitarei sua página. Beijos

MALU, o problema do médico é querer ser profeta. Beijos

Karen disse...

Antonio, obrigada pela visita e comentário no Blog Borboletas! Aliás... comentário bastante pertinente, com uma visão masculina e não-machista!
Que bom que gostou da nova roupagem! Eu não sei mexer direito em coisas de blog, mas acabei encontrando aquele fundo e gostei!
Se quiser mandar sugestões, fique à vontade!
Eu gostaria de acompanhar mais os blogs que sigo, inclusive o seu, que é ótimo, mas estou sem net!!! Mas quando estiver com net, acompanharei melhor seus posts!
Obrigada!
Bjs de Borboleta!

Antonio José Rodrigues disse...

KAREN, obrigado pela presença. O que escrevo, me representa. Beijos

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