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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As multifacetadas do casamento IV

Há um adágio que diz: “A pior vida do mundo é melhor do que morrer.” Peremptoriamente, afirmo: quem criou este provérbio não conheceu o purgatório enigmático que a dor aprisiona o indivíduo.

Eu avaliara equivocadamente que o sistema de drenagem, introduzido via nariz no meu âmago, era a causa de toda a minha angústia, dor e desconforto, pois, depois de sua súbita e inesperada retirada, continuei enfarado, esquálido e aguilhoado por uma dor continuamente petulante.

A repugnante dor minava a minha resistência com uma crueldade gotejada. O meu caquético corpo não tinha mais vontade de ser manipulado por uma alma e, paulatinamente, deixava escapar as paixões terrenas. Quando estava deitado, achava que se eu caminhasse aliviaria aquela insana angústia; quando começava a caminhar, o corpo reclamava um desconforto maior. Eu via as pessoas pré-operadas sorrindo nos corredores do hospital e, independentes, carregando os seus frascos de soros, de um lado para o outro. Eu não tinha independência. Não sorria. Pensamentos sombrios e macabros de saudades e despedidas acalentavam-me no leito. Os meus projetos de vida, incluindo o casamento, foram rodopiando pelo escuro tubo imaginário do esquecimento.

Lembrei-me de experiências de vida pós-morte que tinha lido. Segundo os relatos, o indivíduo entra num túnel e, logo, vê uma luz muito intensa. No centro cirúrgico do Hospital Tibério Nunes de Floriano (PI), passei por uma síncope temporária, mas não vi túnel nem luz. Não vi nada. Fui reanimado pelos médicos. Na minha memória não há nenhum arquivo cognitivo lógico ou ilógico da cena. A história (ou estória) da alma ficar levitando sobre o leito a olhar o corpo desfalecido sendo ressuscitado pelos médicos, eu não vivi. Fui informado, muito tempo depois, por um colega, da minha “morte” e “ressurreição”. Desse período, nada ficou registrado nas linhas ou entrelinhas feéricas ou eclipsadas do meu errante itinerário de vida. A minha memória foi, simplesmente, apagada.

A esperança que “minha hora” ainda não tinha chegado foi expulsa dos meus pensamentos e, também, do apartamento hospitalar. Hermeticamente, cerrei ambas as portas. A realidade me agredia covardemente na cama e, paralelamente, assustava todos os meus sonhos. Sonhos que começaram a se esconder, em forma de desespero, nos olhos de minha mãe. Eu fenecia firme, mas os gestos me condenavam. As raras visitas não tinham mais uma postura altiva e de esperança, mas deixavam a tristeza pousar nas fisionomias e, vacilantes, ficavam a fuzilar o chão com os olhos. As conversas dentro do apartamento ficaram raras. Discretamente, as pessoas chamavam a minha mãe e, no corredor, sussurravam coisas não inteligíveis pra mim. Era o sinal que eu estava prestes a abandonar o sofrimento e, logo, repousar profundamente.

A minha mente, confusa pelos antibióticos e delirando de sofrimento, começou a desejar a morte. Com a morte, pensava, tudo será sanado. Eternamente sanado e, portanto, poderia ter paz. Desejei, mas não disse pra ninguém. Apenas sofria, à medida do possível limite, sem reclamar. Sem escândalo. Sem choro. Evitava encarar as pessoas, pois elas tinham feições de despedidas. Eu me tornei um capacho fiel da dor: não me deixava concentrar mais em nada. Apenas nela, a famigerada dor. Minha inseparável conluiada, segundo após segundo.

Atingi um limite de dor que cheguei a abafar nos meus desvarios os planos de formalizar uma família. Esposa, filho(s) e lar foram lançados, num pacote feito às pressas para descarte, no pretérito irreal. Tudo, naquele momento, não passava de um sonho que não poderia se materializar, pois, eu mesmo, segundo pensava, estava sendo tele transportado para um lugar que fantasia o imaginário humano, mas ninguém sabe explicar onde fica.

Estava entregue à situação. Fechei os olhos e, então, fiquei a esperar uma luz intensa no fim de um túnel fictício.




8 comentários:

Chico Mário Feitosa disse...

Lendo as postagens intituladas "As multifacetadas do casamento" uma pergunta nunca quer em mim se calar: o que é preciso acontecer para tomarmos as decisões que julgados acertadas em nossas vidas? E, em extensão, o que uma vida monótona e sem graça pode oferecer de bom à uma pessoa? Queria saber sua opinião, e dos que aqui visitam, sobre como os conflitos internos podem fazer uma pessoa crescer como ser humano melhor, mas sem se render ao autoritarismo que nossa sociedade impõe, com muitos valores que considero exdrúxulos.
Não vale cobrar consulta ein! rsrsrs
abraço
Chico Mário

Lenna disse...

Oi
To te visitando e gostando das tuas "histórias"
Obrigada pelo carinho.
Abraços
Helena

Antonio José Rodrigues disse...

Nos projetos cotidianos, Chico, as decisões são tomadas de acordo com as condições econômicas, de saúde, de disponibilidade, de interesses, etc. A vida é dinãmica e, portanto, a todo instante toma-se decisões: cor da roupa, tipo de alimentação, conflitos no trabalho, conflitos no trânsito, etc. Algumas decisões são por impulso como, por exemplo, cruzar a rua; outras são minunsiosamente estudadas como, por exemplo, o casamento. Se o indivíduo tomar boas decisões, Chico, e elas forem realizadas, dificilmente a vida se tornará monótona. É assim que eu penso. Obrigado pela visita.


HELENA
Lenna, a sua visita ao meu mundo foi uma deliciosa surpresa. As histórias que vc lê aqui pertencem ao meu errante itinerário de vida. São reais. Volte sempre. Beijos piauienses

Lauro Pedot disse...

Caro Antônio, seus textos e reflexões são ótimos, parabéns! Um abraço ao querido povo do distante Maranhão.

Karen disse...

Antônio, muito obrigada pelo carinho! Você também ganhou uma seguidora!
Meus poemas são catarses. Expiro ali meus afetos e desafetos.
Um grande abraço de Borboleta!

Luiz Neves de Castro disse...

São sempre proveitosas as visitas que faço na infinitude desta casa piauiense. Um abraço baiano.

Antonio José Rodrigues disse...

LAURO
Obrigado, Lauro, pelo incentivo. Minha meta é melhorar os textos. Abraços


KAREn, a Borboleta de João Pessoa
Fiquei feliz em saber que vc esteve voando sobre a minha página. Beijos

Antonio José Rodrigues disse...

Obrigado, Luiz. A casa está sempre de portas abertas. Cordialidades piauienses

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