sala VIP

sábado, 28 de novembro de 2009

a fome tem face


Chegamos, eu e um colega, num restaurante no momento em que os ponteiros do relógio, na analogia da escala do primeiro quadrante do mostrador, indicavam 13 horas e 14 minutos.
Um garoto, com uma caixa de madeira de engraxate, perguntou-me, apontando para os meus pés:
- Quer engraxar, senhor?
Como eu lavara uma topada e, portanto, rasgara o bico do sapato, apenas, automaticamente, sem observar o garoto, disse:
- Não!
Ele passou em direção a outras mesas. Fartamente, tínhamos almoçado, no entanto sobrara comida. O garoto retornou e, colocando a caixinha de madeira no chão, sentou-se sobre ela e recostou-se na parede. O meu colega o chamou. Sentou-se conosco. Os restos de comida lhe foram oferecidos. Ele ficou tão perturbado que não sabia o que pegar primeiro na mesa. Freneticamente, começou a comer com uma colher. A fome saltava dos olhos dele. De repente, largou a colher e, tomando o prato sobre as mãos, comia com gana e um prazer triste que anestesiou a minha atenção, e, portanto, fiquei a enquadrá-lo naquele instante único e particular.
Num estalo mental, meu filho emergiu à baila e, então, fiquei fixando um ponto de fuga distante encravado no limite de minha visão. No meu interior, não existia um limite, mas uma infinita instabilidade emocional embalada pela saudade dos gritos felizes do meu filho dentro de nossa casa. Nossa casa!
O garoto, com uma gula exclusiva, comia como se estivesse numa Santa Seia ou na Última Seia. Diante dos meus olhos estava um apóstulo esquelético e faminto moldado pela política obesa devoradora de sonhos e insensivelmente sarcástica.
Naquela reflexão, percebi que a fome tem face e, sorrateiramente, está nos observando com um olhar esmaecido e de súplicas.

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