sala VIP

terça-feira, 8 de setembro de 2009

metamorfose



No princípio, eu era revolucionário de mesa de bar e meu espírito pairava sobre a esperança de transformar o Mundo.
Eu, jovem rebelde, encharcava a carne, cobertura lubrificada dos ossos, com cachaça, nos bares marginais da periferia da cidade mórbida.
O que se referisse a levante popular, agradava-me. Sonhava em aprender táticas de guerrilha em Cuba, disputava os autores censurados pela ditadura militar, decorava vocábulos rebuscados e mergulhava nos prostíbulos noturnos, onde os jogos de luzes multicolores embaçavam os meus olhos de pseudo-intelectual e as meninas de programa, semi-nuas e cheias de ornamentações desprezíveis, requebravam-se nos corredores estrangulados e asquerosos.
A viatura da polícia, quando estancava no beco de prostituição, obrigava-me a refugiar, com a primeira garota livre, num cubículo qualquer, onde uma luz vermelha enchia-me de tédio. Meio desolado, olhava ao meu redor: uma cama, coberta com um lençol listrado, uma mini-penteadeira, uma toalha e uma bacia cheia de água, inserida no ângulo reto das paredes, logo atrás da porta. A garota, geralmente embriagada, ficava a falar asneiras e, sem nenhuma sensualidade, depois de jogar as roupas num canto qualquer, interrogava-me: "Com luz ou sem luz?"
Achava-me diferente, no entanto, para minha tristeza, não inovei nada: tudo que pensei, falei e fiz, já tinha sido pensado, falado e feito. E o pior, com muito mais eficiência e originalidade.
Em dezembro de 1991, quando fui visitar, num recanto qualquer lá do Piauí, a minha cidade natal, deparei-me, num bar de pariferia, com um grupo de jovens "revolucionários". Discretamente sentado numa mesa solitária, fiquei a pensar na minha geração que, como mágica, debandou-se nas ruas da vida e da morte e, portanto, nunca mais terá a oportunidade de sentar-se na mesma mesa.
Naquele momento, como não poderia castrar os sonhos dos jovens, paguei a conta e, no brilho da rua, saí a olhar, com as mãos afogadas nos bolsos, a lua que, tenho certeza, num futuro bem próximo, se esconderá no horizonte daquela moçada. Era apenas uma fase da vida... uma fase.
João Pessoa (PB), 1992

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