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sábado, 14 de novembro de 2009

por que enganamos as crianças?


O meu filho, que na época deveria ter 5 (cinco) anos, encontrava-se doente. Vomitava e ficava o tempo todo deitado. Ele tinha muito medo de hospital e, então, para que não desconfiasse, chamei-o para um passeio pela cidade. Esforçou-se para ficar de pé e, tentando animar-se, disse que estava pronto. Na verdade, eu o estaria levando ao HTN – Hospital Tibério Nunes, em Floriano (PI).
Com o olhar desconfigurado e derramado sobre a paisagem urbana, observava sem muita curiosidade e, em pouco tempo, arriou-se sobre o banco traseiro do carro. Chegamos ao hospital e, portanto, ficou meio agitado e perturbado: não gostava de hospital.
- Pai, o que nós vamos fazer aqui?
- Falar com o médico, filho. Depois nós vamos pra casa.
O médico autorizou a internação do meu filho.
- A mulher vai trazer injeção?
Fiquei meio confuso e inseguro no momento de respondê-lo. Por que a gente tem que enganar as crianças para confortar o nosso próprio espírito? Eu o enganei mais uma vez:
- Vai ser só uma furadinha, mas não vai doer.
Na verdade, quem doía muito era o meu coração. Ele, o meu coração, ficou tão contraído que, tenho certeza, descoloriu. Amarelou.
A enfermeira não conseguia “pegar” a veia no bracinho trêmulo. Várias tentativas... Nada! Comecei a ficar desesperado, pois ele falava chorando:
- Pai, tu disse uma furadinha. Pai, quero ir pra casa. Cadê vovô?
Naquele momento, eu desejava estar no lugar dele. Eu pensava em dizer uns palavrões pra enfermeira, mas, racionalmente, pensava: ela ficará mais nervosa. Calma. Calma. De quando em vez, eu virava as costas para aquela cena surrealista e, discretamente, enxugava as lágrimas que transbordavam dos meus olhos impávidos.
Finalmente, ela conseguiu encontrar uma veia e, logo, injetou um composto amarelado no braço imobilizado por mim. Passei a noite sentado ao lado do meu filho. Eu segurava com carinho o seu bracinho aveludado espetado por uma agulha, pois, de quando em vez, espantava-se ou, então, virava-se de lado.
Até hoje, tenho certeza, nunca senti, como naquela noite, um sentimento tão diferente e exclusivo na minha vida. Um sentimento humano e verdadeiro de ser pai.

2 comentários:

JAIR FEITOSA disse...

Pois é, cara.

Certa vez levei minha filha para fazer exame de sangue (em Fortaleza) e uma tal enfermeira tentou algumas vezes encontrar a veia dela. Não conseguindo, e eu olhando aquela "cena surrealista", pedi que ela parasse. Procurei outra enfermeira que na primeira tentativa encontrou a veia. Eu disse vários palavrões (simpáticos) para a enfermeira inábil. É de lascar, mas acontece com frequência.

Jair Feitosa.

Salomão Oka disse...

A área da saúde (minha), diferentemente das humanas do Jair (abstratas, subjetivas) ou das exatas do Antônio José (firmes, calculáveis, físicas) não dependem "apenasmente" do profissional. Dependem também do paciente, de todos ao redor na hora do procedimento, e da relação entre esses personagens, que se chama Rapport. A confiança no profissional, p.e., faz parte do rapport. Ele deve confiar em si e receber confiança dos demais personagens pro negócio fluir bem. Talvez a enfermeira velha tenha estabelecido melhor rapport do que a primeira, no caso do Jair. Talvez a enfermeira que atendeu o seu pequeno, Antônio José, só tenha estabelecido rapport nos finalmentes. Mas, de fato, saber anatomia das veias do braço ajuda. Um forte abraço, professor. Adorei o blog! Valeu a dica, Jair.
Salomão Cury-Rad Oka

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