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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Com o filho no colo a macaca pedia ao caçador para poupar sua vida

Não estou aqui para contar nenhuma estória sensacionalista, mas uma história que, na minha infância, fez escorrer lágrimas pelo meu rosto. Ela foi contada por meu pai, um ex-caçador lá das bandas do Piauí. Ele saiu para caçar juntamente com um amigo. Na mata, separaram-se. Ele, meu pai, ouviu estampidos. Mais tarde, sem nenhum traço de arrependimento, seu amigo lhe narrara esta história que aqui dou alguns retoques, mas não me distancio da realidade:
A mata compacta, abraçada pelo vento, serenava. Os estalos dos galhos das árvores eram ouvidos à distância. O cheiro de jasmim e das plantas agrestes flutuavam no ar. Os animais folgavam: grasnados, sibilos, gorjeios, trinos, bramidos, roncos, zuzunados e ziziados vagavam entre as árvores.
Naquele santuário, de árvore em árvore, brincava distraída uma guariba (tipo de macaco). Levava ela um filhote: estava ensinando-o a viver e livrar-se das perseguições. Mas, como que fantasmogórico, ela viu, apontado para sua direção, um cano de ferro com uma mira. Um caçador carrancudo fazia pontaria e, apoiando o joelho direito no chão, procurava melhor posição. A guariba, como único apelo, mostrava o filhote e, piedosa, deixou escorrer dos olhinhos acesos duas lágrimas. O caçador não se comoveu e, devagarinho, arrochou o gatilho. O estampido foi respondido em eco nas colinas. A guariba, mesmo trespassada por várias esferas de chumbo, continuava apresentando o filhote para o caçador. Na tentetiva de salvar-se, tirava folhas e, mastigando-as, colocava nos furos feitos pelas esferas de chumbo.
Outra vez, o caçador carregava a espingarda bate-bucha (papo amarelo0. Não respeitava os sentimentos da guariba, não ligava para suas súplicas, não respeitava o lar dela e não pensava no pequeno filhote. Mais um disparo assustou a mata. Os animais silenciaram-se. O cheiro de pólvora ficou mais forte. A guariba, mastigando folhas, fazia uma nova tentativa de salvação. O filhote quiçá já estivesse morto. Ela já estava sem forças, pois aquelas esferas quentes tiravam-lhe a vida, à míngua. Mesmo tonta, ela levava folha à boca e, tremendo, gastava os últimos esforços colocando o filhote na frente daquele cano cuspidor de morte.
A mão suja e suada entrou mais uma vez na capanga. Mais ansiedade para a guariba indefesa. A cabacinha de pólvora foi deitada no chão. Nova bucha socada. Um olho colocava na mira o animal que não queria morrer; tinha um filhote para criar. A boquinha mastigando folhas. O filhote suspenso no ar. O gatilho puxado. Outras esferas quentes chocando-se contra o animal, que escurecendo a vista caiu do galho. Rolou sobre os líquens e tocou no solo, todo crivado e com a boca cheia de folhas. As folhinhas colocadas nos furos ainda estavam quentinhas - últimas tentativas de sobrevivência.
O caçador segui à procura de outros animais. Nesse dia, as formigas tiveram um banquete gordo.
Publicado na Revista Nacional. Rio de Janeiro, 01 de julho de 1990

Um comentário:

JAIR FEITOSA disse...

Parabéns, cara.

Recebi o emeio e vim logo conferir. Sei do seu potencial, potencial p... nenhuma, capacidade. Sei que você vai continuar na luta e seu objetivo vai cada vez mais se concretizar. O blog está com um propósito sensacional, não lia coisas assim há muito tempo. Sua verve vai cativar os leitores. Agora, falta colocar um contador de visitantes para você conferir os acessos.

Um abraço.

Jair Feitosa.

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