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terça-feira, 1 de setembro de 2009

amor secreto



No primeiro ano de escola, geralmente, as exceções são raras, temos uma história de amor marginal e platônico para narrar. Às vezes, apaixonamo-nos pela professora ou, então, como foi o meu caso, pela garotinha mais dengosa e cortejada da classe.
O arrebentar multicolor de cada manhã era o desabrochar de uma nova flor perfumada e diferente que eu, afogado na timidez, nunca tive a ousadia de dedicar-lhe. As cores do mundo eram exclusivas: somente eu poderia definí-las no meu secreto poema. Ninguém via o verde como eu o via. Ninguém.
A maior melancolia era eu ir para casa e a maior felicidade, retornar, bem cedinho, à escola. Ficava a olhar a rua, sentado sobre a calçada alta da escola, mas, como de praxe, a sineta tocava e ela não chegava. Meia hora depois, a mãe dela, segurando-a pela mão, tomava a porta da classe. O meu comportamento abalava-se: os olhos dilatavam-se, as mãos suavam, o coração queria estourar o peito e o corpo tremia. A felicidade inflava-me tanto que, como um ser sobrenatural, me sentia flutuando sobre a carteira. Pelo atraso, a mãe dela pedia desculpas a professora polivalente e, em seguida, divagava sobre assuntos banais, beijava a face da filha e retirava-se. Com a blusa branca, cujo bolso havia grafado, de forma elíptica, a sigla EMGV - Escola Municipal Doutor Getúlio Vargas, e a saia azul-ferrete toda rodada de pregas, ela entrava requebrando-se, toda faceira e cheia de si, na classe do Primeiro Ano-A. As carteiras eram coletivas e, portanto, para roubar o seu aroma embriagador, sentava-me ao seu lado. Em cada respiração, o fôlego da vida fazia pulsar o meu desejo de abraçá-la. Era a menina mais perfeita sobre a face da Terra. Que mundo fantástico; que Sol brilhante; que flor indescritível; que escola bacana...
Na hora do recreio, solitário numa calçada qualquer, ficava, todo amargurado de ciúmes, a vigiá-la brincando com um grupo de colegas. O tamarindeiro, que ficava atrás da escola, rebolava alegre nas manhãs piauienses de sol quente e ventania fastidiosa.
O golpe mais pesado na minha vida nessa época aconteceu quando, numa manhã chuvosa de outubro, a mãe dela, depois de conversar algumas futilidades com a professora, disse que, no ano seguinte, iria transferí-la para outra escola. Quase quedei chorando defronte daquela mulher, mãe de minha musa, para pedir-lhe que não fizesse aquela transferência.
Mergulhei numa grande depressão ao vê-la mudar-se de escola, no ano seguinte, sem nunca, ao menos uma vezinha só, ter pronunciado, com aqueles lábios poéticos, o meu nome. Para ela, nunca existi. Chorei as mágoas da indiferença.
Floriano (PI), 1985

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom! O texto remete-nos sutilmente a esse período saboroso de nossas vidas. Grande obra!

Anônimo disse...

Boleiro até eu me sensibilizei com esse seu amor platônico.É o record como está indo em 2010?

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