sala VIP

sábado, 24 de outubro de 2009

vida de professor



Quase todos os professores do Instituto Federal do Maranhão, campus Zé Doca, são de outras cidades ou de outros Estados da federação, portanto, na hora do almoço, geralmente, saímos em grupo para um determinado restaurante, churrascaria ou casa de família com estatus de restaurante.
Certa feita, estávamos, eu, mais quatro professores e três servidores administrativos, em torno de uma mesa, numa casa de família, esperando o rango. O professor Antonio Vieira perguntou ao professor Moisés:
- Você gosta de feijão?
Moisés respondeu:
- Gosto! Gosto muito!
- Mentira! – disse com convicção Antonio Vieira. Se você gostasse, não comia o coitadinho!

desejo poético


Mordi a língua...
(língua portuguesa)
e não enchi a boca
de versos-desejos reversos.

já tive um coração valente



Em João Pessoa, no bairro Jaguaribe, ao lado do Centro Administrativo, cérebro do Estado da Paraíba, ficava encravada a Residência Universitária Masculina (RUM) da Universidade Federal da Paraíba; hoje transferida para dentro do campus e apresenta-se paralela ao Hospital Universitário (HU). Residiam, em média, cento e dez acadêmicos de várias áreas do conhecimento humano. Do outro lado da residência, passava a Rua das Trincheiras que é protegida, de uma profunda depressão geográfica, por uma mureta. Lá em baixo, mostrava-se uma favela.
Numa noite de natureza nervosa: chuva, relâmpagos e trovões que faziam tremer a alma do ser humano, um morador da comunidade, completamente desesperado, adentrou, mais ou menos às 22h, na RUM pedindo ajuda, pois várias casas da favela tinham sido destruídas pelo temporal. De imediato, eu e vários colegas nos predispusemos a ajudar.
Ninguém via a escadaria que dava acesso à favela, pois as águas cobriam uniformemente todos os degraus. O morador, que tinha ido pedi ajuda, guiava-nos. Descemos os degraus em forma de corrente humana: um segurava a mão do outro. As águas engasgavam-se raivosas do nosso atrevimento.
Naquela noite, ao chegar na favela, eu vi um cenário de destruição comparado aos cinematográficos. Seria difícil acreditar que ainda existissem pessoas vivas ali em baixo de tantos escombros. Tinham sido destruídas entre cinco a dez casas. Uma parte da favela ficava no flanco de um morro que, em função da tormenta, desabava em frações imprevisíveis. Pensávamos que toda a comunidade estivesse empenhada no trabalho solidário, mas fomos surpreendidos com vizinhos saqueando as casas que tinham sido destruídas, vizinhos de braços cruzados nas janelas só olhando o sofrimento dos bombeiros, vizinhos que não davam informações sobre as casas que foram soterradas, vizinhos que não sabiam de nada... vizinhos!
Usávamos sandálias comuns que ficaram, na primeira investida, afogadas na lama a mais de 60 cm de profundidade. Continuamos descalços. Uma gostosa e arrepiante gargalhada das nuvens expirou a energia elétrica. Tudo escuro. Os bombeiros ligaram um holofote (lanterna) e o feixe de luz ficava dançando entre os trabalhadores voluntários. Pisei em cerca de arame farpado, louças de vaso sanitário e o não sei o que diga a quatro. O grande receio era cair numa fossa qualquer. De quando em vez, o foco de luz era apontado para o morro. A gente olhava pro morro, que deveria ter entre quinze e vinte metros de altura, e ele agressivamente lançava, devagar e continuamente, centenas de metros cúbicos de lama sobre nós. As árvores sobre o morro estalavam-se agonizantes e, logo, o prenúncio de aumentar a tragédia era eminente.
Levantávamos os pés com dificuldades e, portanto, o trabalho começou a ficar improdutivo: dávamos um passo e, em seguida, caíamos na lama. Os objetos sepultados na lama tornam-se inacreditavelmente pesados. Não havia, para nós principiantes em salvamento, mais nada a fazer. Chegamos no limite da paciência do morro, que, imperiosamente, a qualquer momento poderia nos decretar a sentença de morte. O comandante dos bombeiros, percebendo o perigo que corríamos, agradeceu-nos e pediu que nos afastássemos: estava esperando, a qualquer momento, o deslizamento total do morro. Os bombeiros, bravamente, continuaram desafiando a morte na tentativa de salvar vidas.
Com a lama até quase à altura dos joelhos, fiquei em pé, cruzei os braços e senti o quanto que sou anódino perante a natureza. Recebia lapadas (rajadas) de vento e água na cara que, na noite sinistra, gelavam a coluna vertebral: o corpo todo tremia em convulsão muscular. Abateu-me uma estranha sensação de derrota e impotência humana. Ficamos cabisbaixos e decepcionados por não poder ajudar mais. Já era madrugada: tínhamos trabalhado motivados pela emoção. Eu trabalhei motivado por uma força que não sei explicar. Não sentia dor nem fadiga, apenas trabalhava. Mas, percebi, naquele momento, que contra a natureza não há força de vontade que vença. Conseguimos resgatar duas crianças com vida e o corpo de uma mulher.
Alguns colegas já tinham, sem eu nem perceber, ido embora. Naquele momento, éramos apenas cinco. Quando nos deslocamos rumo ao carreiro que nos conduziria à Rua das Trincheiras, uma pessoa alertou-nos:
- Não vão por aí: estão esperando vocês lá na frente... Serão assaltados. Eu não acho justo: vocês vieram ajudar a gente.
Fiquemos pasmos. Entreolhamo-nos. Mecanicamente, apenas levantamos os ombros e abrimos os braços. O nosso gesto dizia: e agora? A pessoa que nos alertou falou:
- Venham comigo, tem outro caminho por aqui.A dúvida invadiu-me. Estaria aquela pessoa falando a verdade ou estaria nos levando para os bandidos? Os colegas não refletiram sobre isso e, imediatamente, começaram a segui-la. Pulamos uma cerca, passamos por um matagal, subimos uma encosta íngrime e escorregadia e, finalmente, para o alívio geral do grupo, chegamos na avenida. O nosso guia, pelo menos naquela noite, foi uma pessoa do bem

liberdade marginal


Enforquei barbaramente o verbo,
que não é nenhum deus,
para libertar, sem sentimentos de culpa,
as minhas ideias marginais.

sábado, 17 de outubro de 2009

vida de professor



Fui aprovado num concurso público para professor efetivo do Instituto Federal do Maranhão. Exigiram, segundo uma lei não sei das quantas, uma grande quantidade de exames médicos e, também, radiológicos.
Um dos exames acusou a presença de ameba. Em São Luís, a médica do instituto receitou-me, então, SECNIDAZOL.
Ao chegar em Floriano (PI), fui à farmácia para comprar tal medicamento. A atendente falou-me:
- SECNIDAZOL, nós não temos, mas temos outro genérico, SECNIDAL, que é bom pra ameba!
Fiquei olhando, meio entorpecido, nos envolventes olhos dela e, então, disse:
- Esse não me serve, pois eu quero um remédio que seja bom pra mim e malvado para com as amebas.

o cravo social




Escravo
Ex-cravo
És cravo!

Zé Doca (MA), 2009-10-16

acrofobia: face a face com a morte



Participei de um Seminário Nacional de Estudantes de Engenharia em Belém (PA) como membro da delegação da Paraíba.
De manhã, as meninas acordavam e, sem nenhum pudor, saiam desfilando semi-nuas nos corredores da Universidade Federal do Pará em direção aos banheiros. A delegação do Rio Grande do Sul, que chegara atrasada em função da distância entre os Estados, apresentava muitas meninas altas e belas... belíssimas!! Elas sabiam que desmontavam os homens e, portanto, requebravam-se com convicção. Nós, os meninos das outras delegações, acordávamos cedo e organizávamos um “corredor polonês” do desejo contido para rastejar os olhares febris atrás das gaúchas e mineiras. Elas passavam, geralmente com a cabeça inclinada para a direita ou para a esquerda, com um olhar gracioso e um sorriso de deboche e malícia. Suspirávamos, gritávamos e aplaudíamos. Os excessos ou palavrões não eram permitidos. Éramos agraciados com cenas formidáveis.
Ao quebrar da tarde, para mirar a exuberância da natureza, os estudantes subiam numa escada, em forma de espiral, em torno de uma caixa d’água, situada nos fundos da UFPA. Depois da caixa d’água, os limites da universidade são determinados por um rio muito largo. A universidade era geograficamente beneficiada com igarapés que, durante o dia, pareciam córregos mortos: apresentavam barcos enterrados na lama juntamente com as cargas de madeira que rebocavam. No entanto, durante a noite, na ressaca do rio, os barcos e toras gigantescas de madeira ficavam flutuando como se fossem de isopor.
De quando em vez, eu dava uma escapadinha dos mini-cursos, acendia uma “brasa” e ficava “navegando”, deitado sobre uma árvore às margens do rio. Os meus pensamentos eram rebolados pelas águas pra lá e, logo em seguida, pra cá. Às vezes, eu via, muito distante, um ou outro barco rabiscando as águas do rio. Parecia um brinquedo de criança dançando no ritmo das águas. Afirmo: não era alucinação.
Certa tarde, como a caixa d’água estava extraordinária: repleta de gaúchas, mineiras, etc., resolvi desafiar o meu medo de altura, e, portanto, subi, até de forma equilibrada, a escada espiralada. Um aroma gostoso e sensível de mulher inebriou-me escada acima. Cheguei ao topo, mas não pude apreciar o cenário, pois o pânico, de chofre, invadiu-me. Todo o meu corpo foi tomado por uma estranha sensação de fraqueza e, imediatamente, se eu não me sentasse, poderia desabar caixa d’água abaixo. Não era uma atitude pusilânime, pois eu estava ali tentando mostrar para as meninas que era macho com m maiúsculo. Mesmo sentado, se eu abrisse os olhos, uma força negativa me impulsionaria para a morte. Uma estranha fraqueza me dominava de tal forma que eu não conseguia apoiar-me no corrimão da escada. Parecia que todos os meus sentidos estavam paralisados e a única opção que me restava era atirar-me no vazio. Sentia uma atração fatal pelo vazio. Não sei explicar. Fiquei num estado de demência (psicose) e o abismo era um atrativo quase irresistível. Então, fui pivô de uma das cenas mais constrangedoras de minha vida: fechei os olhos e desci sentado, escalando degrau após degrau, todo o lance de escada em torno da caixa d’água.
Não consegui superar o medo, mas, em relação à altura, multiplicá-lo, pois, quando me recordo dessa cena, sinto uma estranha sensação de leveza corpórea provocado por um anestésico mental.

piração


(trans)piração
(tô)tal
(ins)piração
(lê)tal.
Zé Doca (MA), 2009-10-16

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

vida de professor



No dia 28 de setembro de 2009, apresentei-me ao Instituto Federal do Maranhão, campus Zé Doca, para entrar em exercício como professor do ensino básico, técnico e tecnológico. O campus é pequeno, mas tem uma arquitetura visualmente agradável.
Fui bem recepcionado e, portanto, senti-me à vontade.
Um professor apresentou-me a um determinado aluno de Análise Química, eu acho:
- Este aqui é mais um professor do nosso campus. Chegou do Piauí.
O aluno, encarando-me, disse, alternando o tom de voz:
- Aqui só tá dando piauiense!?
Como não entendi se tinha ou não uma vírgula depois do verbo dar, reagi imediatamente:
- Não. Piauiensezinho tá só comendo!

(im)pulso


Não tenho
veia poética:
apenas pulso
ou impulso.
São Luís (MA), 2009

como "enlouquecer" as mulheres



A noite estava sombria e sem empolgação. Cheguei num barzinho de periferia. Puxei uma cadeira que circunvizinhava uma mesa circular e, instintivamente, sentei-me esquecido e agredido por uma tristeza mórbida.
Ao longo da noite estéril, bebi todas as cachaças e mais algumas. De manhã, o despertador do celular pulsava nervosamente no quarto e, de propósito, obrigava-me a rolar macanicamente sobre a cama desalinhada. Queria postergar, sufocando o travesseiro entre os braços e contraindo freneticamente as pernas, o momento de levantar-me. Não tolerei o insistente celular e, meio sonâmbulo, trôpego e dominado pela ressaca, levantei-me, completamente nu, e desativei o alarme eletrônico. Bocejei. O bafo fétido, vinhado e etílico invadiu o quarto. Tossi. Espreguicei-me. Abri os olhos e vi as roupas jogadas no chão, as gavetas do guarda-roupa abertas, a cueca empendurada na maçaneta da porta, um pé de sapato no Oiapoque e outro no Chuí. Com dificuldades, localizei a chave do banheiro. Abri a porta do quarto, caminhei apoiando-me nas paredes dos corredores, entrei no banheiro e, como um bambu açoitado pelo vento, comecei, com os olhos semi-fechados, a fazer xixi. A tampa da bacia sanitária ficou completamente molhada com um líquido amarelo, salgado e morno. Não dei descarga. Uma poça no chão acusava: eu errara o alvo. Virei-me e, colocando o creme dental na escova, comecei a esfregar os dentes. As bordas da pia de louça ficaram completamente pulverizadas de branco. Desci o primeiro lance de escada e, no último degrau, sentei-me: o cérebro não conseguia coordenar a massa corpórea. Com os olhos fechados e uma ânsia incontida de vômito, coloquei a cabeça entre as mãos. O intestino entrou em frenéticas convulsões e obrigou o meu corpo a arriar pra trás. Deitei-me sobre os degraus. Depois de algum tempo, cuja cronometragem eu não sei precisar, levantei-me e desci o segundo lance de escada. Ganhei a sala, que é conjugada com a cozinha, e marquei passos com dificuldades. Coçando os testículos gostosamente, abri, com o cotovelo do braço direito, a geladeira. Olhei para um lado e pro outro e, então, tomei água diretamente na boca da jarra. Animalescamente, arrotei. Atirei a jarra vazia dentro da geladeira. Fui ao armário. Tomei cinqüenta ou cem gotas de dipirona sódica. Não tive paciência de contar gota após gota. Apenas estimei a quantidade e bebi. Subi os dois lances de escadas. Adentrei no banheiro. Tirei a roupa e deixei-a descansando sobre a bancada, em cima dos produtos de higiene. Tomei um banho prolongado. O banheiro ficou todo molhado e com espumas de sabonete protex escorrendo pelas paredes. Nem liguei. Enrolei-me na toalha e fui pro quarto. Joguei a toalha, completamente encharcada, num dos quadrantes da cama, e, físico e mentalmente esgotado, atirei-me nela. Dormi o dia inteiro.
Infelizmente, mulheres, esses maus comportamentos são típicos e intrínsecos dos homens, portanto, peço-lhes que tenham, na convivência cotidiana, paciência com os seus “príncipes encantados”.
Zé Doca (MA), 2009

vocábulos mortais


Não brinco
de roleta russa
com as palavras:
podem detonar
a minha lógica.
São Luís (MA), 2009

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

vida de professor



Pedi demissão de meu primeiro emprego em um Laboratório Industrial Farmacêutico e, portanto, fui fazer a minha inscrição para concorrer a uma vaga de professor na Universidade Estadual do Piauí, campus de Floriano (PI). A universidade não conseguira professores licenciados em matemática na cidade e, portanto, publicou um aditivo ao edital onde os engenheiros, de uma forma em geral, poderiam concorrer às vagas. Foi aí que, como engenheiro mecânico, tive a liberdade de concorrer.
Ao chegar na sala onde eram feitas as inscrições, a própria diretora do campus estava efetetuando-as. Fiquei em pé com um envelope de papel vegetal amarelo debaixo do braço direito, cheio de documentos: currículo, diploma, etc. Como ela, a diretora, não me dava a mínima atenção, falei:
- Gostaria de fazer a minha inscrição para concorrer às vagas de matemática.
Ela olhou-me com desprezo, indignação e recriminação. Olhou-me novamente e, então, disse:
- A inscrição é só pra pessoa formada!
Disse eu:
- Sim, mas eu...
A diretora levantou-se e, energeticamente contraíndo os músculos do rosto, falou, aspergindo gotículas no meu rosto e deixando as palavras assoviarem entre os dentes:
- Eu disse pra pessoa FOR-MA-DA, isto é, que tenha curso SU-PE-RI-OR!!!
Pensei em dizer que eu não estava ali fazendo teste de surdez, mas tentando concretizar uma inscrição para um concurso público. Não disse nada. Dei um passo pra trás e, limpando, com o dorso da mão esquerda, as gotículas de saliva sopradas no meu rosto, entendi, desde então, que, mesmo com esta cara de pobre que tenho, não estava representando bem a classe dos professores.

futuro


Além da carne,
os ossos vendidos
à materia orgânica
pelo tempo. Tem pó!
João Pessoa (PB), 1992

O engenheiro que gostava de sombra e água fresca



Ao concluir o curso de Engenharia Mecânica na Universidade Federal da Paraíba, eu estava completanente exausto e nervoso em função das noites mal dormidas e incitadas pelos coquetéis de café, guaraná em pó, coca-cola, etc. Parecia que eu tinha saído das profundezas do céu.
No estado em que eu me encontrava (arrepiado, magro, assustado, esquálido e fantasmagórico) jamais seria aprovado, por mais simples que fosse, numa seleção de pessoal de qualquer empresa, então, com o intuíto de recuperar-me, tomei a decisão de passar uns 20 (vinte) dias com os meus pais na cidade de Floriano (PI).
Depois de uns 5 (cinco) dias que eu estava no maior "love" com a rede: só embalando-me e, em seguida, dormindo, comecei a levar "fisgadas no fígado": "Sim, Genésia, e agora a pessoa se forma é pra ficar deitada dentro da casa dos pais?" Genésia é a minha mãe. "Genésia, minha filha, ouvi dizer que o seu filho chegou... Ele já está trabalhando?" Eu ficava só me contorcendo dentro da rede e sentindo as chicotadas verbais a "queimar" o meu orgulho. Já ficava sobressaltado e nervoso quando ouvia passos de visitas: só chegavam pra me detonar! A rede ficava estática e o meu coração sozinho me denunciava que eu estava dentro do quarto. O que falavam lá em casa era um drinque perante os comentários feitos nas ruas: "Esse miserável de Genésia não quer é trabalhar!" "Esse safado terminou curso de merda nenhuma!" "Um rapaz forte e sadio e, no entanto, fica sendo segurado pelo pai, coitado, que é aposentado!" "Eu já sabia que ele estava lá em João Pessoa só bebendo cachaça!".
A gente diz que não liga para o que o povo fala, mas, naquele período, percebi que não é verdade: internamente a pessoa fica extremamente ferida. As críticas destrutivas estavam deixando-me mais extenuado do que a conclusão do curso de engenharia. Confesso, agora, que entrei em desespero e, então, comecei a procurar alguma coisa pra fazer. Não importaria o quê! Eu queria era mostrar que estava trabalhando.
No Laboratório Industrial e Farmacêutico Sobral, um chefe de setor, sem ao menos encaminhar-me ao departamento competente, começou a entrevistar-me:
- O que um engenheiro mecânico faz dentro de uma indústria de remédios?
Como era que iria saber se eu nunca tinha entrado numa indústria química? Minha resposta foi óbvia:
- Sei não, senhor!
Ele ficou a olhar-me com uma cara de desdém e, então, disse=me:
- Passe aqui na próxima semana: eu vou falar com o dono do laboratório.
Pelo menos uma promessa, pensei. Foi a semana mais longa de minha vida. Fui dominado pela ansiedade e, paralelamente, por uma euforia reprimida.
No dia e hora marcados, eu estava lá. O chefe de setor falou-me:
- O dono disse que não pode pagar mais ninguém aqui... se você quiser trabalhar de graça, então fica aí!
Aceitei na hora. Quinze dias depois, eu estava com o meu primeiro emprego com carteira de trabalho assinada.

Menina-moça

Não uso camisinha
no meu coito poético:
tira a sensibilidade dos versos.
A poesia virgem e inocente
requebra-se afrodisiacamente
entre as quatro paredes
do meu quarto agressivo
(motel de terceira classe),
despertando o meu instinto
animalesco e afável.
Amarrotamo-nos.
Lambuzamo-nos. Não assumo.
Depois, visto a poesia
(completamente saciada)
com uma gramática
bem curtinha... curtinha
(mostrando o fundo do verbo
e as frases roliças)
e ponho-a no olho da rua.
João Pessoa (PB), 1992
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